terça-feira, 25 de outubro de 2011

A deflação inevitável


Tal e qual era expectável, perante as medidas corajosas e impopulares anunciadas pelo governo, aí temos o cortejo de críticas, quase todas com um toque característico -enviesadas, em vez de irem direito ao assunto. Surgiu até uma nova expressão, que se espalha como mancha de óleo: estamos perante um PREC da direita. Como se a verdadeira direita portuguesa fosse assaz afoita para se meter em PRECs.
O anúncio supra, de hoje, mostra uma das raízes da nossa actual crise, que resulta nomeadamente do excessivo peso do Estado na despesa pública. Quase 50% do PIB. Muito desse peso provém do excesso de pessoal na função pública, resultante do facto de em Portugal nunca se ter praticado o "spoil system", o método dos despojos. Trata-se da prática anglo-saxónica em que os vencedores eleitorais, logo que tomam posse, substituem os contratados anteriores por gente da sua confiança, excepto os admitidos por concurso público.
Uma vez que em Portugal nunca houve audácia para tanto, há serviços que todos conhecemos com três e mais funcionários para cada lugar. Com a agravante de se tratar, em geral, de lugares bem remunerados. Os tais tachos.
Voltando ao anúncio, uma das universidades públicas de Paris pretende contratar um Encarregado de Comunicação, que deverá assegurar a comunicação interna e externa, organizar manifestações e outros eventos, e promover a imagem e a identidade daquele estabelecimento público. Exige-se domínio do ingês, master 2 = 18/20 anos de escolaridade e grande facilidade de redacção. Tudo isto pelo ordenado fabuloso de 2.450 euros antes dos descontos obrigatórios (SS, Aposentação, IRS...).
A encarregada de comunicação da autarquia tomarense, que não trabalha em Paris nem possui um master 2 (para não dizer mais...), aufere uma remuneração superior. E como ela, dezenas de outros profissionais, só no Município de Tomar...
Significa isto que temos nalguns sectores e casos um nível de remunerações incompatível com os recursos do país. As coisas são o que são. Não adianta desculpar-se, como é costume, com as subvenções vitalícias ou com o que auferem os deputados. Num caso, estamos a falar de milhares e milhares de funcionários, nos outros, de apenas algumas centenas.
Ciente disto, o actual governo, que nunca se assumiu como de esquerda, acabou por fazer aquilo que desde 2008 se aguardava como inexorável :  o corte dos meses excedentários, repondo a normalidade europeia (excepto grega ou italiana). Trabalham 11 meses e recebem 12, em vez dos usuais 14. Ou recebem apenas 12 meses por 12 meses de descanso, no caso dos aposentados, entre os quais me incluo. O problema reside no facto de as medidas já anunciadas não bastarem para ultrapassar a crise, até porque não se trata apenas de chegar a um défice de 3% do PIB em 2013, mas também e sobretudo, de não voltar a aumentar o dito défice, ao mesmo tempo que se procurará reduzir progressivamente a dívida pública para um máximo de 60% do PIB. Difícil, difícil, difícil! De tal modo que, na impossibilidade prática de desvalorizar a moeda, resta apenas uma outra via para deflacionar os custos dos factores de produção, recuperando assim competitividade exterior: reduzir os custos com pessoal entre 30 e 40%, mediante despedimentos, não substituição dos aposentados, cortes remuneratórios ou um mix dos três. Conquanto não o deseje nem apoie, será o que vamos ter inevitavelmente a médio/longo prazo. Tanto a nível nacional como local.
Paralelamente, terá de haver acções substantivas e eficientes, no sentido de melhorar desempenhos profissionais, agora muito abaixo das normas europeias e americanas. Para já não falar das japonesas...ou das chinesas! Para não ir mais longe, em Tomar chega a ser mesmo confrangedor aquilo que se observa nos mais diversos serviços, tanto públicos como privados, salvo raras e honrosas excepções Não é só o executivo camarário que não tem qualidade política ou de gestão. O mesmo sucede com muitos outros corpos, do ensino superior à saúde e desta ao turismo ou à limpeza urbana.Um pouco por todo o lado parece imperar ainda aquele velho axioma do tempo das vacas gordas, segundo o qual "o patrão paga mal, mas lixa-se que também é mal servido". O que é só meia verdade, pois o patrão até paga bem e a tempo, sendo porém mal servido. Até já me aconteceu perguntar no turismo em Torres Novas o caminho para as Lapas, que ficam as meia dúzia de quilómetros, a uma funcionária que não me soube responder cabalmente.
Outro tanto se diga da indústria hoteleira tomarense, cujo preçário é francamente exagerado em relação à qualidade e quantidade daquilo que servem. Consequência inevitável dos inflacionados factores de produção.  Ainda temos muito que aprender. Seremos capazes? Ou vamos preferir continuar a negar a realidade e outros disparates do género? Foi a evidente falta de qualidade que provocou a derrocada dos regimes do Leste europeu...

2 comentários:

Luis Ferreira disse...

Com a minha melhor saudação, deixe-me discordar da avaliação global que faz, especialmente relevante na defesa que faz do modelo de "alegre empobrecimento" que levamos.

A redução salarial generalizada, iniciada pela função publica, mas que se estenderá ao privado, não é solução económica para um pais onde já quase ninguém paga a ninguém e portanto, é um movimento que destrói empregos e pára a economia. O caminho não é por aí.

Que o leque salarial em Portugal era exagerado, entre os 485€ e os 3200€/mês da generalidade da função publica, é uma realidade. Nos países mais desenvolvidos da Europa - na escandinávia, o factor é num máximo de 2,5, quando em Portugal era de quase 6,5.

Assim, a correcção iniciada pelo Governo anterior até fazia sentido: um imposto solidário que reduzia o leque salarial, sem no entanto "tocar" na 'meadle class' do funcionalismo publico, garantindo que as remunerações baixas (até 1000 euros brutos) ou médias (até aos 1500€ brutos), não eram afectados. Cumpria-se assim um preceito de justiça social, pondo os mais bens remunerados a "pagar a crise", sem no entanto destruir a economia. Este modelo, apesar de difícil, estava a ter resultados uma vez que a recessão ligeira em que estivemos até ao segundo trimestre date ano, sem novas medidas recessivas, permitiria que a economia se desenvolvesse. O problema não está, na minha opinião, em reduzir as disponibilidades financeiras para o consumo, mas sim em alterar o padrão de consumo e regular a Banca, para que não promova o consumo irresponsável de bens totalmente importados e que esta pague os devidos impostos, o que nunca até hoje algum Governo conseguiu. Outro dos caminhos está em tributar a propriedade, pois quem tem bens reais não pode fugir com eles para off shores. E outras das questões criticas seria o terminar a reestruturação da administração publica, iniciando os sevicos a feitura de orçamentos de base zero e não como até agora fazer o orçamento com base no anterior (deflacionado nas despesas e inflacionado nas receitas). A redução de funcionários no sector publico é possível sem baixar a qualidade de serviço, bastava haver coragem para o fazer.

Como poderá constatar há sempre outro caminho possível, que não destrua o que existe, mas sim que o "adapte" a uma realidade volátil. Todos sabemos que só o aumento das exportações e a redução das necessidades financeiras permanentes salvam uma economia como a portuguesa. E especialmente para isso, só uma política europeia consistente resolverá. Empobrecer os Portugueses, todos os portugueses, mesmo os que já são pobres, não resolve nada. Por este caminho daqui a três anos estaremos mais pobres, mais endividados e sem tecido produtivo, mas com Bancos ricos e ricos mais ricos.

Assim não!

Anónimo disse...

Percebo a tua posição, da qual discordo nalguns pontos, mas de momento nada mais desejo acrescentar, para além disto: A minha preocupação é a economia local e a nossa sobrevivência como concelho.