sábado, 22 de outubro de 2011

Declarações de um trabalhador-estudante em Paris

Numa altura em que parece reinar alguma desorientação neste cantinho da Europa, com manifestações de indignados, de trabalhadores e de estudantes, talvez seja útil conhecer o caso de um trabalhador-estudante em Paris. Sobretudo para quem ainda pensa que o Estado continuará a ser o patrão/papá da maioria dos portugueses.

"Vincent, 18 anos é trabalhador-estudante em Paris. Mas a ganhar 900 euros por mês, não consegue arrendar um apartamento. Confissão de um indignado à rasca."

"Preciso mesmo de arranjar um apartamento em Paris. Os meus pais moram em Fontainebleau, a cerca de 50 quilómetros. Sou obrigado a levantar-me às 5 da manhã para chegar a horas às aulas, na Sorbonne Nouvelle, no 5º Bairro de Paris, onde acabo de me matricular no primeiro ano de filosofia e letras modernas. É muito cansativo. Os meus pais prontificaram-se a pagar as  minhas propinas e a serem fiadores do alojamento que eu conseguir arrendar. Mas não podem pagar-me a renda. O meu pai é técnico audio-visual, a minha mãe cuida da casa e somos quatro irmãos.
Encontrar um apartamento para arrendar é um verdadeiro martírio. Alguns senhorios não arrendam a estudantes, apesar de eu apresentar fiador. Outros só me respondem quando troco o meu apelido, de origem argelina, pelo da minha mãe, que é bem francês. E depois há aquelas situações cómicas em que somos um bom quarteirão de parceiros a visitar um cubículo insalubre, com sanitários no corredor de acesso.
A solução seria arrendar em grupo. Mas tenho dois biscates com horários tardios, pouco ou nada compatíveis com um apartamento para três ou quatro. Sou treinador de badminton, em Boulogne, 5 horas por semana, das 20 às 23 horas, e às vezes aos fins de semana. Sou também manequim da roupa desportiva Hollister, em Vélizy. Ganho em média 900 euros mensais, mais os 200 ou 300 de subsídio de renda, quando conseguir um apartamento. Se encontrar um pequeno estúdio, ou mesmo um quarto, por 600 euros mensais, incluindo os encargos (água, luz, gás, aquecimento), ainda fico com 500 euros para viver. Dá, desde que  não abuse. Com os dois biscates e 23 horas horas semanais de aulas, tenho semanas de 45 horas, fora as de estudo. Tenho o tempo e o dinheiro milimetrados. Mal posso tomar um café com os amigos.
Enquanto não consigo arrendar nada, durmo em casa de amigos, em Boulogne, ou em casa do meu tio, no Châtelet. O que me obriga a trazer sempre comigo um saco com roupa para mudar e uma bolsa de higiene pessoal. Quanto ao futuro, sei bem que escolhi uma formação superior praticamente sem empregabilidade. Apenas o professorado e pouco mais.
Ainda pensei em jornalismo, mas depois achei que valia mais escolher uma área que me agrada e que é por assim dizer quase gratuita, em vez da Escola de Jornalismo, demasiado  dispendiosa para mim.
Vou andando e vou vendo. Dentro de dois ou três anos poderei mudar de opinião. Por agora, a grande prioridade é encontrar um alojamento."

Marie Vaton, NouvelObs, 17/10/2011


"Quanto custa um canudo?

Master I Sorbonne Nouvelle - Paris III - Propina anual de 177 euros, nos dois primeiros anos e 245 euros anuais, nos dois seguintes. Um Master numa faculdade não arruína ninguém, desde que não haja necessidade de arrendar um estúdio (648 euros mensais, em média). Ao fim de quatro anos terão sido gastos 32 mil euros, sem contar a alimentação, os livros, os transportes e outras despesas pessoais.
SUPELEC - 1.890 euros anuais de propinas + despesas de alojamento nas residências da escola, em Gif-sur-Ivette, 3.453 euros anuais, + um ano no estrangeiro (1080 euros, sem alojamento). Ao cabo dos três anos necessários para conseguir o diploma de engenheiro, a factura andará à roda de 15.500 euros.
ESSCA PARIS - 7.350 euros de propinas anuais nesta escola superior de comércio, em Boulogne, cuja formação dura cinco anos. Acrescentar um ano no estrangeiro, com viagens e alojamento a cargo do estudante + o custo de um eventual alojamento em Paris. Contar mais de 75 mil euros no total.
EPITECH - Propinas anuais de 5.580 euros, nos dois primeiros anos e 7.420 euros anuais, nos dois seguintes. Adicionar o custo eventual do alojamento em Paris. O custo total desta escola de engenheiros informáticos, perto da Porte d'Italie, chega facilmente aos 72.300 euros.
HEC - 11.900 euros anuais de propinas + arrendamento de um estúdio na residência da escola em Jouy-en-Josas = 4.730 anuais, no mínimo + despesas de seis meses de estágio obrigatório no estrangeiro (viagens, alojamento, outras despesas pessoais...). Para conseguir ao fim de três anos o diploma da mais prestigiada escola francesa de comércio e gestão, conte no mínimo 50.000 euros."


Christel Brion-Mollo, NouvelObs, 17/10/2011

Complicada, cara e sem perspectivas a vida em Portugal, não é verdade? Lá fora é que é bom, mas só enquanto cá  estamos!

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