quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Despertar os cidadãos para o exercício do poder

Foto Jerôme Prebois/Diaphana Distribution/Le Monde

Le Monde, 26/10/2011, página 22 (a foto) e 8 (o título)

Antes que surjam dúvidas no espírito de quem lê estas linhas, começo por explicar qual a ligação entre a fotografia, o título, Tomar a dianteira e Tomar. A foto é a imagem inicial do filme "L'exercice de l'Etat" - "O exercício do poder", do francês Pierre Schoeller, ao que parece uma película extraordinária, actualmente em exibição em França. Tratando-se de um filme gaulês, se algum dia chegar a ser exibido em Portugal, o leitor já sabe... Entretanto, permita-me uma pergunta mais ou menos pertinente: Porque será que mostram o rabo da rapariga em grande plano, mas cortaram o do crocodilo? Será para que exclamemos "Coitadinho do crocodilo?!"
Quanto ao título, é de uma prosa assinada por Claire Gatinois, enviada especial do Le Monde a Lisboa. A ligação com Tomar tem neste caso várias vertentes, a saber: Carvalho da Silva foi trabalhador-estudante e tem um doutoramento, tal como o autor destas linhas. Carvalho da Silva tenta despertar os cidadãos para a política, tal como Tomar a dianteira vem procurando fazer (sem grande êxito até agora, diga-se de passagem...). Finalmente, tanto o realizador do filme, como Carvalho da Silva, como o signatário  labutam pacificamente em prol de uma sociedade mais justa, num mundo mais fraterno.

"Manuel Carvalho da Silva, o sindicalista português que quer acordar os seus concidadãos"
"Almejando ser o "aluno modelo" da Europa, Lisboa multiplica os planos de austeridade"

"Não! [em português no original] Em Lisboa, desde meados de Outubro, Manuel Carvalho da Silva, 62 anos, secretário-geral da CGTP-IN, o mais importante sindicato do país, tenta habituar os portugueses a dizer "não", conforme se lê nos pequenos cartazes da sua organização que forram as paredes da capital.
Não aos planos de austeridade cada vez mais severos que os governos, de esquerda como da direita, impõem sob pressão da troika, o trio formado pelo BCE, a Comissão Europeia e o FMI, que concedeu uma ajuda externa de 78 mil milhões de euros [15,6 mil milhões de contos].  Para levar a população, até aqui demasiado dócil, a reagir àquilo que Carvalho da Silva compara a "uma forma de ocupação do território", este antigo operário electricista, agora titular de um doutoramento em sociologia, subscreveu um acordo histórico com o outro sindicato de esquerda, a UGT. Dia 24 de Novembro há greve geral, convocada por ambas as organizações sindicais. Daqui até lá estão previstas diversas acções de rua, em vários pontos do país. De acordo com a CGTP "as coisas vão fazendo o seu caminho". Talvez porque, apresentando no passado dia 17 o orçamento para 2012, o governo de centro-direita do primeiro-ministro Passos Coelho, foi ainda mais longe do que pretendiam os credores.
Em Portugal, a entrada na zona euro, em 1999, continua a ser um motivo de orgulho. Não estar agora à altura das circunstâncias seria um erro grave. O país tem de ser um "aluno-modelo", ouve-se por todo o lado em Lisboa. Após mais uma derrapagem das contas públicas, o ministro das finanças, conhecido pelas suas opções liberais, anunciou um aumento do IVA até 23% sobre os produtos de consumo corrente, um aumento de meia hora no horário semanal de trabalho (equivalente a uma redução dos salários de 7%, segundo a CGTP-IN), bem como a supressão do 13º e do 14º mês, para os funcionários e aposentados da função pública que recebam mais de mil euros mensais. Um dispositivo injusto, diz-nos Carvalho da Silva: "Estas medidas atingem sobretudo os trabalhadores, que não têm culpa nenhuma da crise!" Pior ainda, acrescenta, até podem vir a revelar-se contraproducentes.
Para este filho de agricultores, que aderiu às lutas sindicais em 1974, ano da "Revolução dos Cravos", o objectivo não é sublevar as multidões e organizar manifestações violentas, como na Grécia. Trata-se de mobilizar os cidadãos para "salvar a economia". E voltar a dar alguma esperança a uma juventude desencantada.
"Se há no país alguém que defende a economia, somos nós", insiste o sindicalista. Na sua opinião, se ninguém reagir, Portugal destruirá  o aparelho produtivo, o sistema social, e recuará 25 anos, ao patamar em que se encontrava aquando da adesão à Europa. Mantendo o sangue frio, Carvalho da Silva explica-nos que sob o efeito da austeridade, o país vai cair no precipício. A Grécia, igualmente sobre-endividada, não está a afundar-se cada vez mais na recessão, em vez de reduzir a dívida pública?
No fim de Setembro, o governo português previa uma recessão de 2,3% em 2012. Agora já fala de um recuo de 2,8%, sublinha o dirigente sindical, que teme uma contracção do PIB mais próxima de 4%. Mas haverá alternativa? O governo de esquerda, de José Sócrates, quando ainda estava no poder, adoptou igualmente medidas de austeridade. Haverá possibilidade de uma "terceira via"?
Carvalho da Silva pensa que sim. Alguns aderentes da CGTP-IN auguram-lhe mesmo um destino glorioso. Forte em economia, diplomata, próximo do Partido Socialista, "tem estofo para ministro, ou até para Presidente da República", diz-nos Giorgio Casula, antropólogo filiado na CGTP-IN "

Claire Gatinois, Le Monde, 26/10/2011, página 8
Tradução de António Rebelo/Tomar a dianteira

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