segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Portugal visto de fora

"Portugueses não querem ser comparados com os gregos "aldrabões"
O governo de Lisboa acaba de apresentar um novo plano de austeridade. Sindicatos com dificuldades de mobilização"


"Lisboa
Enviada especial"

"O "canudo" em Relações Internacionais, obtido há ano e meio, está em caso dos pais. Mas Catarina Tojo, bela loira de 21 anos, assinala com alguma amargura que o seu lugar não é "ali", numa das secções do El Corte Inglês, em Lisboa.
Desde há três meses que Catarina renunciou à carreira diplomática com a qual sonhava, para vir trabalhar neste grande armazém, por 550 euros mensais, um pouco acima do salário mínimo português que é de 485 euros. "Alguns meses, trabalhando aos domingos, feriados e à noite até às 23H30, consigo chegar aos 700 euros. Mas mesmo assim sou abrigada a viver em casa os meus pais."
Catarina, com o pai de 48 anos, desempregado há quase dois anos, faz parte das vítimas resignadas da cura de austeridade que o país se inflige desde há mais de um ano, pressionado pela troika e procurando reduzir a dívida pública que o asfixia.
Apesar disso e dos sucessivos apelos à mobilização dos vários sindicatos, Catarina não tenciona manifestar. "Entre o emprego e as reivindicações, há que escolher." Com uma taxa de desemprego de 12,5% e a multiplicação dos contratos temporários, os trabalhadores sabem que a relação de forças não lhes é favorável. Só os funcionários públicos podem manifestar-se sem temer represálias patronais. E mesmo assim...
Para não ter de vir a pedir nova ajuda externa -após os 78 mil milhões de euros obtidos em Maio deste ano- o governo anunciou, em 17 de Outubro, uma nova série de medidas, mais radicais ainda que as recomendadas pela troika: supressão do 13º e 14º mês para todos os funcionários e aposentados da administração pública que ganhem mais de 1000 euros mensais, aumento do IVA para 23% nalgumas categorias de produtos, até agora com taxas reduzidas, aumento de meia hora de trabalho para os salariados do sector privado, aumento dos impostos... Objectvo: economizar 7,4 mil milhões de euros em 2012, para reduzir o défice das contas públicas a 4,5% do PIB, em vez dos 8,3% actuais.
Uma ida directa para "o desastre", afirmam os dois principais sindicatos, CGTP-IN e UGT, ambos de esquerda, que decidiram convocar uma greve geral para 24 de Novembro, alguns dias antes do voto definitivo no parlamento do plano agora anunciado.
Pequenos cartazes "Não!" enchem as paredes lisboetas. "O povo tem de se mobilizar", clama Manuel Carvalho da Silva, secretário-geral da CGTP-IN. "É possível uma alternativa", quer ele acreditar, mesmo se o actual governo de centro-direita, no poder desde Junho, propõe mais ou menos o mesmo que o anterior, que era de esquerda. "O país está a caír no precipício, o governo vai-nos obrigar a caír de uma altura de 50 metros. Queremos limitar a queda a 20 metros", insiste Manuel Carvalho da Silva. Na sua análise, em 2012 a recessão não vai ser de 2,8%, como previsto pelo governo, mas de 4%. Se ninguém protestar, o país vai andar 20 anos para trás.
"Fazer greve custa 50 euros por dia, 100 euros dois dias", explica-nos Manuel Villaverde, que trabalha num departamento de urbanismo. Com um vencimento de 1250 euros e uma prestação mensal de 600 euros, do empréstimo para habitação, tenciona fazer greve, pois claro. Mas diz compreender os seus colegas que ainda hesitam.
Em Portugal, levar os trabalhadores a protestarem conta a austeridade é uma verdadeira proeza. O país não quer ser comparado de forma nenhuma com os gregos "aldrabões" e "indisciplinados". Tanto mais que "há um sentimento generalizado de que temos de expiar os nossos pecados", disse-nos Eduardo Paz Ferreira, professor de economia na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Todos se lembram ainda do momento em que Portugal entrou na zona euro, o "clube". Do tempo das "vacas gordas" em que choveu dinheiro. Porque a adopção da moeda única permitiu reduzir as taxas de juros e os bancos, pouco controlados, deixaram os clientes contrair um, dois, três empréstimos, para comprar habitação, automóvel e televisor plasma.
Em Lisboa, alugar um apartamento custa praticamente o mesmo que comprá-lo a crédito. Nestas condições, poucos hesitaram, mesmo se os empréstimos com taxa variável podem reservar surpresas desagradáveis. Resultado: a dívida privada aumentou consideravelmente. Representa actualmente128% do rendimento das famílias, enquanto que a dívida pública não vai além de 98% do PIB. Multiplicam-se os processos de insolvência, tanto de empresas como de particulares: 2900 no primeiro semestre de 2011 contra 3100 em todo o ano de 2010, de acordo com a COFIDIS.
Os portugueses começam agora a sentir-se culpados por terem vivido acima dos seus recursos. Mas também há muita raiva. Então e os bancos, não são também culpados? E aderindo à Europa, Portugal não terá escolhido mal?
Os fundos comunitários permitiram desenvolver as infraestruturas, mas em vez de construir auto-estradas, pontes e viadutos, não teria sido preferível desenvolver a indústria em vez do sector dos serviços? Era mesmo inevitável "obedecer" à Europa, sacrificando as pescas no quadro das quotas comunitárias? E que dizer do "caso Madeira"? Nesta região autónoma de 270 mil habitantes, a dívida pública atinge já os 6,3 mil milhões de euros.
Até agora, ninguém protestou ainda com violência, mas "se calhar as coisas estão apenas a começar", antecipa Ana Nunes de Almeida, socióloga na Universidade Nova de Lisboa."


Claire Gatinois, Le Monde, 21OUT11, página 18
Tradução de António Rebelo/Tomar a dianteira

1 comentário:

Virgílio Lopes disse...

O debate desta noite, no programa "OLHOS NOS OLHOS", entre o Dr.Medina Carreira e Prof.João Ferreira do Amaral foi esclarecedor - sobre as causas da crise actual e sobre o caminho para sair dela.

E,inteligentemente,centraram-se sobretudo no problema de Portugal,um pobre que quis entrar para o clube dos ricos...

Fez-me lembrar de um plebeu a querer sentar-se à mesa dos "senhores", no Café Paraíso de há 40 anos...e a querer viver com eles e como eles,ganhando 500 mil réis por mês.

Mas,Sr. Rebelo,olhe que este seu post também não tem o que designa por "ligação relevante a Tomar"...segundo o critério que utilizou para recusar umas SUGESTÕES que fiz num outro escrito.

Verdade?

Virgílio Lopes