terça-feira, 4 de outubro de 2011

O Mundo onde estamos e a terra onde vivemos

Copiado do Le Monde,  04/10/2011, página 22. Fontes indicadas à direita da ilustração, na vertical.

Dois tipos de informação nesta ilustração, que acompanhava um artigo de Michel Rocard, ex-primeiro-ministro socialista, intitulado "Um sistema bancário a repensar". Em cima, o chamado planisfério das dívidas - Notação financeira segundo a agência Standard & Poor's (taxa exterior). Do lado esquerdo, na vertical, as diferentes classificações, a procurar depois no mapa. De cima para baixo, Segurança máxima, Alta ou boa qualidade, Qualidade média, Qualidade média inferior, Especulativo/Lixo, Altamente especulativo/Lixo, Bancarrota.
Em baixo, a violeta, a estimativa da dívida pública em 2010 e a cinzento a previsão da taxa de inflação.
Tendo em conta os dois conjuntos, verificamos que Portugal está muito bem acompanhado em ambos os casos, com notação de BBB-, como o Brasil, a Rússia, o México, a Indía ou a Polónia; dívida pública percentualmente inferior à da Itália, dos Estados Unidos e do Japão, e taxa de inflação inferior à da Espanha, por exemplo. O nosso grande problema tem assim duas vertentes: estamos na zona euro e não crescemos economicamente. Dado que continuamos a importar mais do que exportamos, o nosso défice vai-se agravando, e para o financiar recorre-se à divida, que vai indo por aí acima, com encargos cada vez mais gravosos. Junte-se a isto um estado voraz, gastador e mastodôntico, e temos a nossa angustiante realidade.
Mutatis mutandis, exactamente aquilo que acontece em Tomar. Por causas nunca capazmente averiguadas, a autarquia nabantina virou-se para as obras de espavento, confundindo despesas com investimentos e recorrendo ao endividamento sem conta, nem peso, nem medida. Haja dinheiro, que alguém há-de pagar. Uma vez que as receitas são cada vez menos, devido não só ao agravamento da crise, mas igualmente em virtude das cada vez piores condições facultadas aos potenciais investidores, bem como aos comerciantes e industriais já instalados, o passivo municipal aumenta como ventre de mulher grávida. Sabedores de tão anómalo comportamento e da ausência de objectivos claros a médio e longo prazo, os bancos não tardaram a cavalgar a ocasião. Os dois empréstimos aprovados na sexta-feira passada pela AM vão pagar juros da ordem dos 10% o que, tendo em conta a previsível taxa de inflação, inferior a 3%, representa para eles um lucro ilíquido do 7%. Nada mau, nos tempos que correm. Para a banca, bem entendido!
Quem não estará nada contente são os empresários da região, já com dificuldades quase intransponíveis para obter crédito bancário, as quais, a partir de agora, com as condições aceites pela câmara, só podem piorar. Num quadro de geral penúria, o total cedido à autarquia já não poderá ir para o sector que produz valor acrescentado, gerando contribuições e impostos.
Por outro lado, uma vez que, pouco confiantes, os bancos não emprestam uns aos outros e os fundos cedidos pelo BCE são cada vez menos, o futuro adivinha-se bem difícil. Para todos, incluindo a autarquia. Os próximos e inevitáveis empréstimos só muito dificilmente terão spreads inferiores a 7,5 ou 8%. Porque a banca sabe que a autarquia não pode prescindir deles...
Claro que os senhores autarcas continuarão a garantir nada terem a ver com a crise, acusando de catastrofismo crónico quem escreve estas linhas.Trata-se exactamente do mesmo tipo de resposta que usam os alcoólicos, quando alguém tenta alertá-los para a necessidade de abandonarem a bebida. Dizem logo que é moralismo beato. Tempos depois, acabam em geral por morrer de cirrose hepática. Quanto aos políticos aboletados à mesa do orçamento, esses nem sequer morrem de vergonha, pois é coisa que manifestamente não têm. Caso tivessem, iam-se quanto antes e enquanto ainda é tempo. Porque se algum dia os tomarenses chegam a dar-se conta do que lhes estão de facto a fazer, a coisa pode até não acabar nada bem. Aqui fica o alerta, como sempre apenas para memória futura. 
Conforme reza o conhecido provérbio -"Dá tempo ao tempo, que o tempo dar-te-á todas as respostas."

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