sábado, 29 de outubro de 2011

"O medo de naufragar"

"António Machado, pai dos modernistas espanhóis, escreveu nos seus provérbios e cantares: Quatro coisas tem o homem/Que não lhe servem no mar/Âncora, timão e remos/E medo de naufragar. 
A quadra surge-me quando assisto a debates fundados nessa enorme prisão que encerra os homens: a ideologia. 
A um determinado modelo social e económico, como o que vigorou com sucesso depois da II Guerra, faz-se corresponder um conjunto doutrinário que se quer coerente; uma mundivivência que explica ou antecipa mesmo as necessidades sociais e políticas.
A ideologia tornou-se a âncora, o timão e os remos do debate político e cívico. Agora perante a tempestade ela não nos serve. Os modelos em que nos baseámos estão falidos e é provável jamais a eles voltarmos. O Estado Social (saúde gratuita, reformas e pensões previsíveis, direitos laborais extensos, etc.), que ninguém ousa contestar, vai terminar e qualquer outro tipo de organização demorará a ajustar-se. Por sorte ou azar, vivemos esse tempo.
Mesmo entendendo a necessidade das brutais medidas do governo, é necessário abrir pistas para o futuro. No fundo, a ideia é que é necessário voltar a crescer (como se a ideia de um contínuo e inesgotável crescimento não fosse, em si mesma, questionável). Depois, há quem exija o investimento que o crescimento futuro há de pagar; e os que defendem que primeiro é preciso arrumar a casa e pagar as dívidas, ou seja, empobrecer um pouco. Quase ninguém vai além deste binómio, como se terminado este ciclo se voltasse ao ponto em que estávamos.
Mas, sem baias, sobretudo as da ideologia, e com ousadia, ou seja, sem medo de naufragar, é curial deixar de debater apenas onde estamos, para discutir também para onde vamos.
Porque se é certo que temos de navegar à vista, não é menos certo que precisamos de saber para que porto queremos ir...e, obviamente, para que local nos está agora a levar o vento."


Henrique Monteiro, EXPRESSO, 29/2011, última página
hmonteiro@expresso.impresa.pt

Procurando responder antecipadamente aos leitores que eventualmente possam questionar a relação desta longa citação com Tomar, passo a explicar.
Na terra nabantina, estamos numa situação bem pior que a referida por Henrique Monteiro. Na capital e noutros centros urbanos, pelo menos ainda debatem ou tentam debater onde estamos. Nas margens do Nabão nem isso. A autarquia nada diz, a comunicação social pouco adianta, mas a população também nada pergunta. Nestas condições, como iniciar a discussão cordata tendo em vista esclarecer para onde vamos, levados pelo vento, e para onde queremos ir? De que maneira podemos pelo menos começar a fazer um diagnóstico rigoroso da nossa tristérrima situação? Com quem? Com que dados rigorosos, sendo certo que o executivo oculta tudo o mais que pode? Como proceder para levar as pessoas a interessar-se pelos problemas locais?
Ao que consta, a situação económico-financeira do município é já de tal forma grave, e a sua gestão tão caótica, que afinal vamos ter Corvêlo de Sousa até ao final do mandato. Face ao que está e prevendo o que aí vem, Carlos Carrão terá resolvido optar pela prudência. Já não estará interessado em ascender à presidência durante este mandato, dado não existirem condições mínimas para brilhar.
Segundo uma outra fonte, que ainda não houve ocasião para contrastar, poderá até vir a acontecer que o actual alcaide resolva a seu tempo candidatar-se a mais um mandato... dada a experiência entretanto adquirida com esta crise. Dado assente? Balão de ensaio? Simples boato? Neste desgraçada terra já quase nada me surpreende. Mesmo a terceira corrente, também já ouvida: tendo em conta a cada vez mais vertiginosa evolução da crise, a partir do segundo trimestre de 2012 podemos vir a ser surpreendidos por um singular volte-face, com Corvêlo de Sousa a renunciar por sua livre iniciativa, e Carlos Carrão forçado a assumir a presidência. Na pior altura e nas piores condições. O melhor será ir dando tempo ao tempo...

6 comentários:

Virgílio Lopes disse...

CUIDADO!

O país está a saque,completamente controlado e intoxicado,a mando dos patrões IDEOLÓGICOS de Henrique Monteiro e quejandos,a quem vão encomendando e pagando uns sermões das suas teses (ideologia)ANTI-IDEOLOGIA.

Coisa velha e relha da castração salazarista, que se escondia sob o manto diáfono da célebre máxima :

"A MINHA POLÍTICA É O TRABALHO!..."

Oxalá o velho jornalista político HM tenha vida longa, para ainda perceber que o que lhe parece um novo tempo não passa do estertor da financeirização do mundo,vulgo globalização.

Hoje ouvimos,a toda a hora,os paladinos do neo-liberalismo a proclamar:

"OS PORTUGUESES VIVEM E VIVERAM ACIMA DAS SUAS POSSIBILIDADES"

Quais Portugueses?
É que somos 10 milhões...

"O MODELO DO ESTADO SOCIAL ESTÁ FALIDO"

Será?
Dos 10 milhões,quantos auferiram de regalias em % significativa da despesa total do "Estado Social"?

Deixo aqui uma SUGESTÃO,que não uma ordem, ao dono do blogue:

Com base nos dados do portal PRODATA,da Fundação Francisco Manuel dos Santos,se fizer um estudo estratificado sobre as PENSÕES DE REFORMA pagas pelo Centro Nacional de Pensões e pela Caixa Geral de Aposentações;sobre outras PRESTAÇÕES SOCIAIS;sobre a CONTA GERAL DO ESTADO.

E perceberá como as ditas proclamações são falsas,porque genéricas e redutoras.

PORQUE É VERDADE QUE há portugueses QUE VIVERAM ACIMA DAS POSSIBILIDADES DO PAÍS.

É preciso é dizer quem foram,com VERDADE.

PORQUE É VERDADE QUE há portugueses que LEVARAM O ESTADO,esmifrando o grosso dos seus recursos.

É preciso é dizer quem foram,com VERDADE.

É isso que Henrique Monteiro esconde,por detrás de um violento combate IDEOLÓGICO à ideologia.

Tentando fazernos crer que a IDEOLOGIA é uma coisa má.

O que é mau tem outros nomes - MENTIRA,CORRUPÇÃO,CLIENTELISMO,FALTA DE ESCRÚPULOS,FALTA DE HONRADEZ,PECULATO e outras indignidade que têem vindo a destroçar o país e a economia.

A ideologia é tão velha quanto o HOMEM e, só com o seu eventual desaparecimento,desaparecerá.

Felizmente!

Digo eu.

Virgílio Lopes

Anónimo disse...

Naturalmente que cada escrito consente por assim dizer todas as interpretações. Pela minha parte, creio que Henrique Monteiro não pretendeu de modo algum escamotear o que quer que seja. Terá querido, julgo, alertar para a necessidade de não nos deixarmos subjugar pela ideologia, enquanto pretexto para protelar mais uma vez a análise inevitável que conduza a respostas às seguintes perguntas: Onde estamos? Como fomos arrastados para isto? Para onde queremos ir? Como? Quando? Com quem? Para quê?
Isto é que me parece essencial. O resto não passa de ornamentação mais ou menos conseguida para disfarçar aquilo que realmente se pretende: ir adiando a viagem rumo ao futuro, na esperança vã de que tudo voltará a ser como já foi.

Virgílio Lopes disse...

Escrever ao correr da pena,aos bochechos,sem revisão final,só podia dar calinada grossa.

As minhas desculpas.

Virgílio Lopes

Anónimo disse...

Tinha-me esquecido de dizer que nunca partilhei uma certa ideia muito difundida na sociedade portuguesa, que me parece ter traços de paranóia: o sentimento de que tudo na política é conspirativo. Julgo que terá algo a ver com aqueles oposicionistas ao antigo regime que passaram muitos anos na clandestinidade. Será portanto um modo de abordar as coisas mais do que ultrapassado.

Anónimo disse...

Não era necessário pedir desculpa, porque afinal não ofendeu ninguém. No debate de ideias, tudo é admissível, desde que sincero. Quando verificamos que a nossa posição não é a mais correcta, basta admiti-lo, sem pedir desculpa. Acho eu!

Virgílio Lopes disse...

Sr. Rebelo,

Sobre os méritos ou deméritos da orientação política actual,sobre a quem serve e servirá,falaremos no final de 2013.

Aí,nem a minha visão "conspirativa",nem os seus "fantasmas",impedirão o confronto com a realidade objectiva,nua e crua.

Mas mantenho a minha sugestão/desafio em relação às ACTUAIS REALIDADES que o portal PORDATA evidencia.

Porque discutir realidades com base em estatísticas densas,opacas,não estratificadas,só tem conduzido à venda de MENTIRAS convenientes,do género:

"Dois portugueses sentam-se à mesa e pedem um frango. Um come-o todo,o outro não come nada".

Mas para a estatística,comeram metade cada um.

Perante tal estatística,as explicações têm sempre substracto ideológico,seja ele qual for.

Por isso,para mim,cuidado com os discursos ideológicos contra a ideologia(dos outros,que não pensam da mesma maneira).


Virgílio Lopes