O habitual comentador que assina "Cantoneiro" é um amigo, conterrâneo e freguês. Não só por colaborar no blogue, mas também e sobretudo porque natural da mesma freguesia. Merece por isso uma resposta destacada, que aproveito para igualmente esclarecer dúvidas eventuais junto dos leitores.
As crises, sobretudo quando graves e prolongadas como a presente, são nefastas para o sistema psíquico dos cidadãos, tendendo a provocar em muitos casos confusões, baralhações e simplificações abusivas. Ainda sem fim à vista, a agora denominada "crise do euro" chega a confundir até os políticos mais experientes. Aqui há dias o brilhante sindicalista Carvalho da Silva, com dezenas de anos de experiência e um doutoramento em sociologia, caiu numa contradição sem decerto dela se dar conta.
Disse ele, numa entrevista ao Le Monde (Ver post "Despertar os cidadãos...", de 26/10/2011), que caso os portugueses não acordem para contestar as medidas de austeridade já anunciadas pelo governo, o país irá recuar 25 anos, para o nível social em que estava aquando da adesão à então CEE. "Basta ver o que está a acontecer na Grécia", concluiu. Sucede que os gregos sempre estiveram acordados e bem acordados perante a política de austeridade. Já vão na 14ª ou 15ª greve geral, já queimaram não sei quanto automóveis, já partiram centenas de montras, já feriram alguns polícias, já lesaram gravemente o turismo grego. Mas nada conseguiram em termos de anulação das medidas de austeridade, as quais, pelo contrário, foram agravadas. Logo, o exemplo de Carvalho da Silva demonstrou afinal o oposto do que ele pretendia. Opôr-se à política de rigorosa austeridade, como pretendem os sindicatos portugueses e vêm fazendo os gregos, em vez de melhorar a situação dos cidadãos em geral, tende a agravá-la ainda mais. E não se trata de uma posição ideológica minha, mas de uma simples constatação factual, amplamente mostrada na televisão.
Se até os melhores se equivocam, não espantará ninguém que o nosso Cantoneiro também navegue, neste seu infeliz comentário, em águas algo turvas, como se passa a tentar demonstrar.
Primeiro ponto: Ao contrário do sustentado, não sou um defensor deste governo, como não o fui de qualquer outro. Limito-me a procurar exercer uma cidadania activa e consciente. Apoio as medidas que considero adequadas ao contexto, mesmo que me vão à carteira, como é o caso e de que maneira. Contesto as políticas que no meu entender não são as melhores. Sempre assim fiz com qualquer poder, de qualquer partido, tanto a nível nacional como local. Assim tenciono continuar a proceder. Não contem comigo para seguidismos, tipo clubismo ou fidelidade canina. Segundo ponto: Julgo que os tomarenses e os leitores habituais deste blogue sabem há muito tempo quais são as minhas opções políticas. Dito isto, como não estou filiado em nenhum partido desde 1982, posso vir a integrar qualquer grupo que me pareça capaz de implementar as orientações necessárias para que esta nossa terra mude de rumo. Como também posso manter-me enquanto simples espectador/relator da triste situação que é a nossa. Terceiro ponto: Não me parece que esteja em marcha qualquer golpe de Estado. Temos um parlamento eleito e a funcionar; há um presidente da República igualmente eleito e na plenitude das suas funções; há um governo legal, que resulta da vontade do partido vencedor das eleições, que foram limpas, livres e justas. Que mais queremos? Facilidades? Isso foi no tempo das vacas gordas... Quarto ponto: Creio ser algo delirante essa de que PCP e BE "participam na golpada" ou que "a matilha no poder conta sempre com o seu apoio." Se nunca contou, vai contar agora? Jerónimo e Louçã tornaram-se repentinamente liberais e seguidores dos boys da Escola de Chicago? Se fosse verdade já se saberia, tamanho seria o escândalo. Quinto ponto: Principal negociador e signatário do acordo com a Troika, o PS está desde então eticamente obrigado a apoiar as medidas decretadas e a decretar pelo governo para o implementar. Trata-se de uma questão de coerência e de credibilidade nacional e externa, que muito contribuirá para melhorar a cotação do país junto dos célebres "mercados". Resta-lhe portanto abster-se ou votar favoravelmente, com preferência para esta última opção. Como referia amiúde Vítor Cunha Rego, "as coisas são o que são e não aquilo que gostaríamos que fossem".
1 comentário:
Obviamente que respeito as suas opções, Dr. Rebelo.
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