segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A DÉCADA PERDIDA DE ITÁLIA E PORTUGAL

Alícia Gonzalez - El País

"O principal desafio macroeconómico das economias desenvolvidas para a próxima década, é procurar evitar que mergulhem noutra década perdida." Foi esta a advertência que o presidente do BCE, Jean-Claude Trichet, fez a todos os seus colegas, na reunião de Verão realizada todos os anos pela Reserva Federal dos Estados Unidos, em Jackson Hole (Wyoming). E sobram-lhe razões para o que disse, tendo em conta o que aconteceu nos últimos 10 anos.
Durante esta década, exceptuando Haiti,  Itália e Portugal foram os países que menos crescimento acumularam a nível mundial, com respectivamente 2,43% e 6,47%. Seguem-se o Japão (7,30%), a Dinamarca (7,74%) e a Alemanha (8,68%). Sendo certo que quando as economias alcançam um determinado nível de desenvolvimento, o seu ritmo de crescimento afrouxa, o que mostram estes dados, sobretudo em relação a Itália e Portugal, é um modelo de crescimento em forma de L, que agora surge como a principal ameaça para o conjunto das economias consideradas ricas, entre as quais a espanhola, que todavia termina esta década com um crescimento de 22%, o que a coloca numa boa posição entre os países desenvolvidos.
O modelo de crescimento em L é geralmente conhecido nos meios académicos como "estancamento económico", definido como um longo período de crescimento próximo de 0%, desemprego elevado, e fraca procura ou excesso de produção.
Quando a teoria económica fala de década perdida, fá-lo em função da experiência japonesa nos anos 90. Nessa altura, a segunda economia mundial enfrentou um período de baixo crescimento e desemprego elevado, por não ter efectuado correctamente o processo de saneamento do sistema financeiro e a redução do endividamento da economia. É claro que no caso do Japão é mais correcto falar de duas décadas perdidas.
Mas não se trata só de um fenómeno ligado ao nível de desenvolvimento alcançado. Se assim fosse, a primeira economia do mundo seria a que menos crescimento teria registado durante esse período, quando mesmo se moderado, o seu PIB teve um incremento acumulado de 17,77%.
O prémio Nobel de Economia de 2008, Paul Krugman, alertou em várias ocasiões sobre o risco que corre a economia estado-unidense, de vir a sofrer o acontecido no Japão, caso não adopte políticas apropriadas para ultrapassar a crise financeira. Em Janeiro passado, Krugman afirmou que "apesar da baixa dos juros [os japoneses foram os primeiros a fixar a taxa interbancária em 0%], o Japão nunca logrou uma recuperação real. Teve despesa pública suficiente para evitar a recessão, mas não a necessária para gerar uma recuperação. Quanto às forças privadas do mercado, nunca dispuseramn de tantas facilidades para permitir a retirada dos estímulos públicos. O grande problema é que as recuperações posteriores a uma crise financeira dependem quase sempre das exportações, que é algo impossível numa crise mundial sincronizada. "A não ser que se comece a exportar para Marte", disse Krugman com ironia.
Japão, Itália e Portugal têm em comum o padrão de crescimento em L, que se traduz num círculo vicioso da economia, e que muitos economistas atribuem à ausência de uma política fiscal restritiva, de controlo das despesas públicas e de redução do endividamento. Os números dão-lhes razão. A dívida pública italiana ronda os 130% do PIB, em Portugal está nos 80%, atingindo 217% no Japão, segundo dados do FMI. Para o professor Rafael Pampillón, a falta de competitividade e de maleabilidade dos mercados citados explica a ocorrência de um crescimento tão débil durante tanto tempo, análise que é partilhada pela Comissão Europeia.
Nas suas previsões para o Outono, Bruxelas adverte que "problemas estruturais persistentes, que provocaram  um aumento insatisfatório da produtividade, já haviam enfraquecido a economia italiana muito antes da crise global". Quanto a Portugal, a Comissão Europeia admite que "desde princípios dos anos 2000, que Lisboa vem registando um fraco crescimento económico, bastante abaixo da zona euro, caracterizado  por uma persistente baixa produtividade, uma competitividade erosinada, aumento do desemprego e considerável défice exterior. A crise actual veio exacerbar essas debilidades, e alguns desses desiquilíbrios estão a ser corrigidos de forma demasiado lenta e incompleta."  Tanto  os analistas do FMI como os da OCDE apoiam o diagnóstico da Comissão Europeia.
Stephen King, economista-chefe do banco HSBC, argumenta no seu recente livro "Perdendo o controlo" que as principais economias desenvolvidas se dirigem inexoravelmente para o modelo japonês."O Ocidente é incapaz de reactivar as suas economias porque não aprendeu as lições do Japão. A primeira e mais óbvia é evitar provocar uma bolha gigantesca. Essa ameaça foi ignorada. Em vez da prevenção, tanto os políticos como as instituições preferiram argumentar qu o Ocidente era diferente.... ... ...
Certo é que, apesar das colossais quantidades de dinheiro injectado na economia, o crescimento nunca mais dá mostras de arrancar com vigor. É claramente o caso dos Estados Unidos, que se depara com a necessidade de compra de títulos do tesouro pela Reserva Federal, para tentar reactivar o crescimento. Isto com uma taxa de desemprego próxima de 10%, que a sociedade americana não está preparada para manter de forma prolongada. Mas a ameaça está aí: que o modelo económico de Itália, Portugal e Japão acabe por se converter na nova realidade para os países desenvolvidos.   

(Negritos de Tomar a dianteira)

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