Um popular anexim reza que "Não há pior cego do que aquele que não quer ver". O imparável agravamento da crise económica nacional e local vai mostrando, de forma cada vez mais evidente que, contas feitas, é capaz de não ser bem assim. Leia-se este excerto da jornalista São José Almeida, n'A semana política, texto de análise política, publicado ontem, 23/10/10, na página 36 do PÚBLICO, um jornal dito de referência: "...O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos (17 de Outubro de 2010) diz coisas extraordinárias. "É quase uma insaciabilidade dos mercados a medidas de austeridade desta natureza", constata..., concluindo que, se houver mais exigências dos mercados, não tem soluções: "Eu não vejo muito mais por onde ir".
Antes de tudo, salta à vista o fosso entre a posição da jornalista, "se houver mais exigências dos mercados, não tem soluções", e a do ministro: "Eu não vejo muito mais por onde ir." Por outras palavras, "ainda restam algumas vias, mas não muitas". Há portanto nítido desfazamento entre o dito e o interpretado pela profissional de informação, cuja deontologia profissional obriga, contudo, a não modificar a realidade à sua guisa. Será que não quis ver isso? Ou, pior ainda, está convencida de que ela é que viu os que os outros não conseguem enxergar?
Ainda na mesma linha, é algo difícil perceber onde reside o carácter de "coisa extraordinária", na frase "É quase uma insaciabilidade dos mercados a medidas de austeridade desta natureza", dita por um reputado economista, para mais ministro das finanças." Está na própria natureza de qualquer mercado serem os seus operadores ávidos, insaciáveis, sôfregos, jamais fartos, uma vez que a busca do lucro máximo é o combustível que os move. Seja qual for o mercado. Mesmo o das ascensões no interior dos partidos políticos. Incluindo os que dizem representar os trabalhadores. Por conseguinte, achar extraordinária uma coisa afinal comezinha e banal, revela mais um caso em que a jornalista crê estar a ver, quando afinal...
Outro aspecto em que a jornalista assume uma curiosa postura, é na evidente e injustificada tentativa de diabolização dos mercados. Basta atentar na chamada de título, cuja segunda interrogação tem ainda outro óbice. Nem sequer pode ser considerada um exemplo de bom português, mesmo enquanto "língua chã": "O que é e quem representa os mercados? Por que ninguém fala o nome dos novos senhores do mundo?" Perguntas inadequadas, no mínimo para nós portugueses, porquanto mesmo no caso de se virem a conhecer respostas satisfatórias a ambas a perguntas, a nossa situação não se alteraria um milímetro. Na verdade, o que esta prosa deixa subentender é que estamos perante uma deliberada conspiração contra os portugueses, urdida nos meios da finança internacional. A habitual maneira de estar e de agir dos portugueses, com nítidos contornos de paranóia colectiva -a culpa é sempre dos outros, que andam a perseguir-nos sem qualquer razão.
Exactamente o que vem acontecendo em Tomar, onde os senhores autarcas também cuidam estar a ver bem, quando garantem que a situação financeira do munícipio é boa e recomenda-se. Ou que estão a governar bem, apesar do que dizem os críticos locais, conhecidos especialistas da má-língua, que no fundo andam apenas a perseguir os honrados e competentes eleitos, para ver se lhes roubam os lugares. A tal paranóia difusa...
Seguindo o raciocínio implícito da jornalista, o Brasil, que herdou a nossa língua, os nossos costumes e a nossa idiossincrasia, foi durante anos uma excelente "presa" para os mercados. O FMI, às ordens dos Estados Unidos, foi chamado a intervir uma série de vezes. Até houve ditadura militar durante anos e tudo. Eis senão quando, um intelectual formado e formatado na Europa -Fernando Henrique Cardoso-, e um ex-operário metalúrgico e sindicalista, dos autênticos, daqueles que nunca abandonaram as bases nem a linguagem dos trabalhadores -Lula da Silva-, solucionaram o problema, sem grandes programas teóricos nem alarido mediático. Limitaram-se a governar no sentido de o país viver de acordo com os seus recursos próprios, foram pagando a dívida externa consoante as possibilidades, e, uma vez liquidadas as dívidas, acabaram por emprestar somas elevadas ao próprio FMI, naquilo a que os brasileiros chamaram "a vingança dos ex-caloteiros". Desde então, alguém ouviu dizer que os tão falados e amaldiçoados mercados financeiros se meteram ou pressionaram o Brasil? É o metes! Embora não marxistas, os dirigentes dos grandes operadores financeiros, nunca esquecem o que Marx constatou -quem tem dinheiro, tem poder. E o que vale para o Brasil, vale para qualquer outra entidade com relativa autonomia financeira -dos governos às câmaras municipais. O resto são balelas e baladas para embalar o pessoal.
2 comentários:
Ora aqui fica a síntese da conclusão profunda a que o Exmo Senhor Doutor Professor Reformado António Rebelo chegou:
"Quem tem dinheiro, tem poder".
Digno de um mestre, escrever tanta balela para terminar com uma frase tão intensa, comparando o Brasil à autarquia tomarense.
Não entendo como é que ainda não levaram este senhor num pedestal para a Câmara. Juro que não entendo !
Castanha Quente
Quando os posts tiverem metade da extensão, confesso que os vou ler;
assim vejo os títulos e fico esclarecido!
É que as palavras estão ao preço do ouro!Há que poupar!
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