"O problema do emprego em França não se refere só aos 2,8 milhões que não encontram colocação. Engloba igualmente os trabalhadores precários, que eram 2,6 milhões no final de 2010, e entre os quais há muitos "desclassificados": jovens trabalhadores cheios de diplomas, ou menos jovens com muita experiência profissional, os quais, após meses e meses de desemprego, foram forçados a aceitar colocações muito inferiores às suas exigências fundamentadas.
Os que tinham trabalho tentaram tudo para o conservar. Aude Houdan, de Caen, em doutoramento de biologia marinha, teve de contentar-se com um meio-tempo como professora, em Paris, a 1060 euros mensais, que lhe foi proposto em regime de "é pegar ou largar". Custou-lhe as poupanças do casal, sempre na expectativa de poder efectivar. Nunca conseguiu e passados dois anos abandonou o ensino e a investigação.
"Os primeiros meses sem trabalho até são agradáveis, chega-se a ter a impressão de estar em férias", disse-nos Albert Rose, 54 anos, despedido quando a empresa onde tinha o seu posto de trabalho foi deslocalizada para a Roménia. "Não nos damos conta que vamos contra a parede", acrescenta Bernard Fabre, 39 anos, Chefe de produto, despedido em 2008. Depois é-se obrigado a enfrentar a realidade, o Instituto de Emprego e a sua absurda burocracia.
Bernard Favre recorda a sua conselheira de emprego "simpática, mas incapaz de me compreender ou de me colocar". E Maylis, uma bibliotecária de 22 anos, até julgou ter ouvido mal quando lhe recusaram um contrato assistido (emprego + subsídio de desemprego), porque o seu caso "não é assim muito desesperado". Quanto a Albert Rose, recebeu dezenas de propostas de colocação assaz patuscas, às quais respondeu mesmo assim, "excepto a um "contrato de duração determinada -CDD, para fazer de Pai Natal", enquanto que Sébastien, 26 anos, vendedor, conseguiu várias propostas para motorista TIR ou garagista.
O Instituto de Emprego ("Polo Emprego", em tradução literal) foi mesmo um "pesadelo" para Sylvain, 38 anos, formador de adultos. "Perdi tempo com eles, quando me devia ter afastado como da peste, logo no início", confessa num tom amargurado.
Desiludido, Bernard Favre empenhou-se então na busca de emprego "de maneira quase profissional", de manhã à noite. Sylvain fez outro tanto na área da formação. Todos enviaram centenas e centenas de CV mas as suas rotas para o emprego ficaram juncadas de respostas negativas. Albert Rose era "demasiado velho ou demasiado qualificado", Emmanuel, 30 anos, técnico de informática, "não era suficientemente especializado" e Sébastien recusou alguns empregos porque não queria mudar-se para mais de 100 quilómetros de casa, antes de ter a certeza que o aceitariam após o período à experiência.
Depois, pouco a pouco, todos foram obrigados a rever as pretensões iniciais. Aude Houdan, a bióloga, iniciou uma formação "higiene-segurança-ambiente", enquanto que Bernard Favre passou do marketing para a gestão. Não valeu de nada. "O meu doutoramento era sempre um obstáculo; diziam-me que ia aborrecer-me", recorda Aude Houdan.
Os nãos em série acabam por danificar psicologicamente. "Cheguei a estar quase paranóico; tinha a impressão que os outros se riam de mim na rua", confessa Albert Rose. Um dia antes de enviar o pedido do RSI (RSA = Rendimento de solidariedade activa, em França) foi a uma última entrevista, numa pequena empresa artesanal. "Foi um choque; aquilo era medonho; as condições de trabalho eram alucinantes. Percebi logo que se aceitasse seria como voltar ao início da minha carreira. Mas tinha de aceitar, porque não havia escolha. Era aquilo ou o RSI."
Após três anos de desemprego, lá acabou por conseguir um lugar de auxiliar de educação numa escola primária. Com 57 anos, está como empregado "estagiário, a tirar fotocópias e a ganhar 850 euros mensais".
Já a bióloga doutorada Aude Houdan, após 8 meses de desemprego, conseguiu um lugar numa empresa metalúrgica, para a sua formação em alternância, a ganhar 900 euros mensais, quatro anos depois de ter concluído o doutoramento.
A mesma sorte teve Emmanuel que, após dois anos e meio de buscas infrutíferas, acabou por aceitar um emprego a 1300 euros mensais, o mesmo que começou por ganhar em 2001, "porque tinha mesmo de trabalhar, para não enlouquecer". Philippe Caron, 50 anos, vendedor de electrodomésticos, acabou por conseguir uma colocação, após dois anos sem emprego. É agora vendedor júnior, ganha menos do que quando começou, em 1986. Com 25 anos de experiência, está agora ao mesmo nível que os seus colegas de 22 anos."
Hélène Bekmezian, Le Monde, 18/01/12, página 9
2 comentários:
DE: Cantoneiro da Borda da Estrada
Obrigado pela divulgação do texto e pelo trabalho da tradução. Facilita muito.
E obrigado, acima de tudo, por cimentar ainda mais a minha convicção de que, apesar de andar por terras francesas, José Sócrates - está hoje à vista dos mais obstinados - não foi o causador nem da crise económica portuguesa nem da francesa..., bem patente no texto e nos indicadores internacionais. Muitos e muitos mais textos da imprensa internacional, que consigo seguir, e outros que me são facultados na blogosfera especializada, dismistificam as mentiras e calúnias de que o meu Zézito foi alvo.
Para me assegurar da minha boa consciência em relação às minhas opções patrioticas, até tenho vindo a seguir comentários de alguns economistas reconhecidos internacionalmente, mormente o blogue do agora esquecido prémio nobel Paul Krugman, tantas e tantas vezes citado (distorcido...) durante o vergonhoso movimento golpista contra o ex-primeiro ministro. E o que ele vem escrevendo!!!
Não sendo eu idólatra de ninguém e coisa nenhuma, não nego que sinto uma enorme mágoa, não pelo que lhe fez a direita herdeira cultural do Estado Novo, mas pela conivência activa de muita gente que se diz e dizia de esquerda e outros que se queriam passar por tal.
Alguns, velhos e senis, que agora se tomam por Ronaldos e Messies da política e da economia portuguesas, mas que nunca alinharam em nenhum clube galático (jogavam mal, sempre às arrecuas com a esférico, outros a querer suspender a democracia, diagnosticando
terapias letais para velhos doentes), encontraram na ofensa e na calúnia ao melhor Primeiro Ministro de Portugal a sua melhor jogada... A Inquisição foi boa professora.
Textos como este são muito pedagógicos, bem como a forma distanciada como foi publicado: cada um é livre de tirar as suas conclusões, liberto de técnicas sofisticadas de identificação.
Amigo Cantoneiro da Borda da Estrada
Interessante artigo. Apenas nao percebo onde se baseia para louvar o seu Zezito!
Deixe-o estar lá a aprender ciência política(e nao filosofia como se disse). Pode ser que arranje finalmente uma licenciatura...
Bom fim de semana.
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