segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Pensar a cidade, pensar o país

"Este início de ano, após as múltiplas conversas com familiares e amigos, por ocasião da trégua natalícia, é uma altura propícia para elaborar os fundamentos de projectos de vida com futuro. Cada um de nós fará o balanço do ano que findou, prometerá a si mesmo isto ou aquilo e arquitectará a lista das suas intenções para 2012. Para o que terá de se basear numa determinada concepção da sua identidade, real ou apenas sonhada, e bem assim sobre aquilo que julga ser essencial defender e conquistar. Há que saber quem somos e quem desejamos vir a ser, para poder escolher o que desejamos conservar ou abandonar.
Sucede exactamente o mesmo com a comunidade nacional ou local. Antes de começar a pensar nas escolhas a fazer nas próximas consultas eleitorais, é imperativo ousar explicitar a ideia que temos do nosso país e da nossa terra, do que devem conservar e daquilo que tem de mudar.
Existem actualmente quatro concepções diferentes do país e da cidade, definidas pelo que, segundo o  que pensam os defensores de cada uma delas, constituem a respectivas identidades. Essas quatro concepções raramente ou nunca explicitadas, formam na verdade os alicerces de todas as posições políticas possíveis.
Alguns consideram que o país e a cidade se definem antes de mais pelos seus territórios, que urge defender e valorizar. Para os que assim pensam, o mais importante são as fronteiras e os habitantes nascidos nesses limites, dos quais são os únicos proprietários. Por conseguinte, a política limita-se à sua valorização e protecção.
Outros pensam que tanto o país como a cidade incarnam numa língua e numa cultura, devem ser preservadas e promovidas antes de tudo o resto. Prioridade por conseguinte para a educação, para a defesa do português e para a sua promoção no mundo. Todos os estrangeiros são bem-vindos, desde que aprendam e falem a nossa língua, aceitando também o nosso modo de vida. Há que atrair sobretudo os melhores criadores e os melhores estudantes.
Outros ainda definem o país e a cidade através de valores a defender custe o que custar, cá dentro e lá fora: a liberdade, a igualdade, a fraternidade, os direitos humanos. Para esses, o mais importante consiste em edificar e defender um Estado de direito e um sistema económico e social em conformidade com tais valores, para depois os exportar, construindo uma Europa e um mundo à sua imagem.
Há finalmente os que apenas consideram o país e a cidade como simples locais para viver, onde cada qual deve sentir-se feliz e desenvolver as suas perspectivas pessoais, considerando-se livre para partir alhures, caso não consiga obter o que esperava. Para estes, tanto o país como a cidade mais não são que uma espécie de hotel, com o qual não têm qualquer relação sentimental, pelo que, caso se pretenda fixar a população jovem, há que facultar um bom sistema de saúde, de segurança e empregos.
Cada uma destas maneiras de pensar o país e a cidade já surgiu sucessivamente, por esta mesma ordem, em várias etapas da nossa História. Cada uma nutre-se da precedente, são cada vez mais virtuais, mais abstractas e cada vez menos assumidas e menos discutidas. Pode-se aceitar morrer, lutando por um território, por uma cidade, por uma cultura ou por valores. Quem aceitaria morrer, lutando por um hotel?"... ... ...

Jacques Attali, L'Express, 21/12/11, página 82
Adaptado. O título original é "Pensar a França"



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