QUATRO EM UM, A DOENÇA TOMARENSE

Conforme foi escrito, temos no post anterior, na desassombrada e certeira linguagem de Medina Carreira, uma peça tipo "dois em um". Há partes em que até parece que o conhecido fiscalista e advogado, falando do país, está mas é a falar de Tomar. Terá dado por aqui uma demorada volta, antes de ir para a entrevista? É que a urbe nabantina cada vez se assemelha mais a um Portugal em miniatura...

Pois agora, do "dois em um" passamos ao "quatro em um". Tantos quantos os principais sintomas da doença tomarense. Que já não nos arrasta para o abismo. Mantém-nos antes entretidos, no beco da nossa incapacidade e insignificância, onde vamos marcando passo, andando de Herodes para Pilatos e deste para aquele, nadando em potes de yogurte, pedalando com energia, montados em bicicletas estáticas, correndo num daqueles tapetes rolantes em que não se sai do mesmo sítio. Tudo isto porque, paulatinamente, fomos sendo atingidos por uma doença silenciosa mas que não perdoa, pelo menos a julgar pelo aspecto exterior da vítima -ruas porcas, espaços verdes por tratar, calçadas esventradas, obras por acabar, prédios a cair, acampamentos ciganos, cidadãos a dormir em espaços impróprios até para animais, gente sem esperança, desiludida...

Essa doença, a que poderemos chamar, à falta de melhor designação, decadência galopante, parece-nos, a nós que nunca estudámos medicina, caracterirzar-se por quatro sintomas principais, donde o nosso título "Quatro em um". Primeiro, parece agora consensual que a actual maioria autárquica, sendo embora composta por gente boa e honrada, "não vale um chícharo", "não dá conta do recado", "estão lá só para se governarem", "não querem saber disto nem da gente para nada", para citar apenas algumas das muitas opiniões que por aí circulam. O que se compreende, pois os eleitores tomarenses sentem-se enganados, três vezes enganados, e sempre pelos mesmos.

Com efeito, os membros da actual maioria apresentaram-se livremente ao eleitorado, dando assim a entender que tinham capacidade para o cabal exercício das funções autárquicas, e afinal não têm. Garantiram que tinham projectos estruturados e adequados para o desenvolvimento da cidade e do concelho, e afinal não têm. Atacaram-se mutuamente, e nada disseram sobre alianças ou coligações, durante a campanha eleitoral, mas logo a seguir fizeram um acordo de partilha de lugares e de benesses. Como diria Henrique Granadeiro, o pessoal sente-se corneado e com toda a razão. É o primeiro sintoma grave, que urge debelar.

Se a actual liderança autárquica não cumpre nem de longe os mínimos olímpicos, a alternativa balbuciada pelos novos dirigentes concelhios do PSD também não entusiasma, antes desanima o eleitorado nabantino. Realmente, se a câmara presidida por Corvêlo de Sousa, um cidadão educado, culto, sensível e amigo dos seus amigos, está a milhas de dar conta do recado, quem se convence que sem Corvêlo mas com Carrão na presidência, as coisas mudariam para melhor? Com a entrada de Perfeito, que afinal já lá está, como chefe de gabinete do presidente? Sem novos planos?  Cuidam que o Carrão é o Lula do Nabão? Se fosse o caso, já se saberia desde há muito. A inteligência é como o dinheiro novo -onde está em quantidade faz sempre barulho. E temos o segundo sintoma a tratar: a eventual alternativa, afinal não o é.

Embora refilando, protestando, criticando, queixando-se, lamentando-se, a verdade é que os cidadãos tomarenses, salvo raras e por isso mesmo honrosas excepções, continuam a manifestar o seu cada vez mais evidente descontentamento apenas pela surra. Quando se trata de assumir publicamente o desacordo ou o protesto, de dar a cara, de assinar por baixo, de apresentar o peito às balas, pois sim! Vai lá tu, que estás mais habituado. São dignos discípulos dos nossos irmãos da fronteira norte -Os galegos, que desde há muito vêm dizendo "Deus nosso senhor é bom, mas a Diabo também não é mau". Maneira ardilosa de dar a entender que é sempre conveniente estar de bem com Deus e com o Diabo. O que, sendo verdade, por vezes só prejudica. E neste caso uma comunidade inteira. Trata-se, portanto, do terceiro sintoma. Um eleitorado maioritariamente oportunista (por conseguinte exactamente como aqueles que acusa de indecorosa e prejudicial ocupação do poder), sempre à espera de benesses, sempre aguardando que volte o tempo das vacas gordas, sempre na expectativa de que os papalvos do costume saquem as sardinhas das brasas, para então as manducarem com todo o gosto.

Com uma maioria autárquica a substituir quanto antes, uma alternativa balofa e um eleitorado doentiamente manhoso, as lideranças políticas locais não escapam à crónica mediania local. O pessoal de gabarito, salvo um ou outro caso, desde há muito que votou com os pés, escolhendo para viver paisagens físicas e humanas mais acolhedoras. Temos assim dirigentes partidários igualmente boas pessoas, educadas, cultas, sensíveis, solidárias, algumas excelentes profissionais até, mas com um tique tipicamente nabantino -Em vez de olharem para e almejarem o futuro, continuam virados para o passado, à espera do regresso das vacas gordas. Ainda não se deram conta de que por estas bandas, as vacas gordas foram sendo substituídas pelas magras, e estas pelas esqueléticas, que por sua vez se puseram na alheta e a trote, logo que puderam. Agora nem os ossos!

Tudo isto para dizer que, em vez de envidarem esforços no sentido de haver novas eleições a nível local, para tanto quanto possível recomeçar com os contadores a zero, pois não senhor. Vão insistindo em pôr pensos rápidos numa velha perna de pau carunchosa. É o quarto sintoma, a eliminar com urgência.

Com tudo isto, se realmente desejam um outro futuro mais risonho, por favor não continuem à espera que sejam os outros a ir à guerra. Até o corajoso Medina Carreira desabafou na entrevista já citada "Pensei em candidatar-me a presidente, mas ia ter uma série de maçadas, pelo que acabei por desistir." Há cada vez menos paciência para aturar ovelhas ranhosas, sobretudo quando não se tem necessidade de fazer currículo, de arranjar amigos, de penacho, ou de ganhar mais... Vão tomando nota, por favor.