quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Antever o pior para o evitar

Com o astuto e conservador Alberto João armado em anarquista e PP Coelho admitindo a hipótese de solicitar um segundo plano de resgate, talvez o melhor para os nervos de todos nós seja estarmos preparados para o pior, embora fazendo votos para que tal não aconteça.
Ex-conselheiro económico e de prospectiva de Mitterand, igualmente presidente de uma comissão nomeada por Sarkozy para elaborar propostas para a inovação em França, Jacques Attali mostra-se algo pessimista em relação ao futuro dos europeus. Excelente razão para facultar aos leitores de Tomar a dianteira a mais recente visão estratégica de um dos melhores especialistas europeus nessa matéria.

"Em França vai sendo tempo de se preparar para o duplo choque da crise bancária e da crise das finanças públicas. Vem aí. Não tardará a chegar. E ninguém se debruça com profundidade sobre a hipótese do pior. Como se bastasse não pensar no assunto para evitar que aconteça.
Eis qual poderá vir a ser o seu desenvolvimento, em dez etapas:

  1. Sem meios para financiar os seus défices, a Grécia deixa de pagar aos credores, de liquidar algumas pensões e de pagar uma parte dos vencimentos dos funcionários. Todos os bancos que lhe emprestaram e todas as empresas que lhe venderam armas e outros produtos de primeira necessidade sofrem prejuízos consideráveis. Mas nem assim a Grécia sai da zona euro, porque nenhum tratado a isso a obriga, nem sequer permite a sua exclusão. Além disso, ninguém pode obrigar os gregos a converter os seus euros em dracmas de valor inferior.
  2. Para recuperar o país, a zona euro recusa-se então a utilizar os limitados recursos do Fundo Europeu de Estabilização Financeira ou a criar os "eurobonds", que só fazem sentido com impostos europeus, para os reembolsar, e um controle europeu dos défices dos orçamentos nacionais, para evitar que deles se faça mau uso.
  3. Na ausência de instrumentos financeiros comunitários suficientes, os outros países da União abandonam a Grécia  à sua triste sorte.
  4. Os mercados, ou seja, essencialmente os credores asiáticos e do médio oriente, ficam nervosos com tal abandono, obrigando Portugal, Espanha e Itália a pagar cada vez mais caros os seus empréstimos.
  5. A crise alastra à França, quando se dão conta de que a situação financeira gaulesa nem sequer é tão boa como a da Itália (em Roma, o orçamento primário [sem o serviço da dívida] é excedentário, ao contrário do que acontece em Paris) e compreendem que os bancos e as companhias de seguros detêm uma percentagem importante da dívida pública dos países periféricos, bem como grande quantidade de activos tóxicos, agora sem qualquer valor no mercado.
  6. Para evitar a falência desses bancos, procuram-se accionistas, públicos ou privados. Debalde. Só para os bancos franceses há que encontrar capitais equivalentes a 7% do PIB gaulês.
  7. Em pânico, o Banco Central Europeu concede então financiamentos maciços a esses bancos, solucionando uma vez mais um problema de solvência mediante o fornecimento de liquidez.
  8. Horrorizada perante tal laxismo, a Alemanha decide então abandonar o euro e criar um "euro +", de acordo com um plano bem preparado que, segundo um banco suiço, custa a cada cidadão alemão entre 6 mil e 8 mil euros no primeiro ano e depois 3500 a 4500 euros anuais.
  9. A explosão do euro revela então aos mercados que afinal os bancos anglo-saxónicos também não estão nada bem, porque também não se livraram atempadamente dos produtos tóxicos e porque a bolha imobiliária já não existe, como recurso para iludir a clientela e os especialistas.
  10. Dá-se então a derrocada do sistema financeiro ocidental, uma grande depressão, desemprego generalizado e,  a médio prazo, mesmo a democracia é posta em causa.
Não se consegue exorcizar uma tal tragédia com a recusa de nela pensar. E, uma vez que os governos não parecem preparados para agir com determinação para a evitar, porque não solicitar ao Parlamento Europeu que se reúna em sessão extraordinária, que se declare "Assembleia Constituinte", e vote a implementação de um verdadeiro federalismo orçamental, do qual depende a sobrevivência de tudo o que construímos desde que a Europa renunciou à barbárie, ainda não há muito tempo?"


Jacques Attali, L'EXPRESS, 14/09/2011, página 82
Tradução e adaptação de António Rebelo

1 comentário:

Anónimo disse...

O Parlamento Europeu declarar-se Assembleia Consituinte para uma Europa Federalista?! Embora seja defensor dessa federação, cheira-me ao 18 de Brumário
napoleónico; paria num novo "Consulado", e, quem sabe, em vez de um general imperialista, teríamos dois (saborosa caldeirada: um francês e um alemão...).

E a democracia representativa burguesa? Suspendia-se, como alvitrou MFLeite? Os povos não elegiam os deputados constituintes? E antes disso os povos não votavam sim ou não a uma Europa federalista?

A divulgação destas ideias pressagia regresso ao passado, cheira a pólvora e carne esturrada: golpes de Estado, ditaduras, guerras entre países e guerras civis, se tivermos em conta as contradições sociais crescentes por esta Europa fora. Muito boa gente anda por aí a falar disto quase às escondidas.Já agora deixem-me abalar...

Não caem os parentes a ninguém se visitarem ou revisitarem "A Ideologia Alemã", "Miséria da Filosofia" e uma vista de olhos por algumas páginas do "Capital" de Karl Marx, filósofo, historiador e político do séc. XIX. Os teóricos e grandes dirigentes dos capitalistas não prescindem de o estudar. Ninguém melhor que ele explica os fatores que determinaram esta crise e outras que se seguirão. Salvaguardados os ajustamentos às novas condições objetivas, o que estamos a viver foi por ele previsto, com base em investigação coentífica.

E eu que pensava que esta crise tinha sido provocada pelo meu Zézito!!!!