quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Para tentar perceber em que mundo vivemos

O texto seguinte visa fornecer elementos de resposta a todos aqueles que pensam ser a saída do euro uma boa opção para Portugal. Sobretudo para quem nunca se engana e raramente tem dúvidas. O seu autor, Jean Pisani-Ferry é, na minha tosca opinião, um dos melhores economistas franceses actuais. Dirige o Centro Bruegel de investigação científica e debates sobre as políticas económicas na Europa.
Trata-se de uma leitura simultaneamente corrida e muito densa, a exigir elevada concentração e capacidade de raciocínio quase instantâneo. Se costuma cansar-se com facilidade durante a leitura, por favor abstenha-se. Não ponha a sua saúde em risco, que um AVC acontece quando menos se espera.

"A saída do euro é um beco sem saída"

"Pode parecer fútil mudar a hora todos os anos, quando seria muito mais simples que cada um viesse para o trabalho uma hora mais cedo ou mais tarde, consoante a época. Apesar disso, a mudança da hora é habitual, visto ser infinitamente mais fácil atrasar ou adiantar o relógio do que mudar de hábitos.
É tendo por base este raciocínio que se ouve cada vez com mais frequência  sugerir a saída do euro dos países cuja competitividade se degradou. Em vez de aguardar que, através de dezenas de milhões de decisões independentes, empresas e trabalhadores por conta de outrem se dediquem laboriosamente a reabsorver a inflação passada dos preços e dos salários, bastaria -dizem-nos- restabelecer a competitividade, baixando a taxa de câmbio da nova moeda na percentagem pretendida. Com efeito, toda a experiência monetária actualmente disponível ensina que, para um mesmo resultado final, uma desvalorização interna (pela redução de preços e salários) é muito mais difícil de conseguir do que uma desvalorização da taxa de câmbio. Todavia, mesmo ignorando as incidências políticas europeias de semelhante decisão, o raciocínio peca por omissão em vários pontos.
O primeiro obstáculo é jurídico. O tratado europeu inclui uma cláusula de saída voluntária da União, mas é omisso sobre a saída do euro. Um Estado pode, por conseguinte, abandonar a UE (renunciando assim aos fundos de ajuda às regiões, importantes no caso grego e português, bem como às transferências no quadro da política agrícola comum), mas nada prevê que possa sair do euro e continuar na União Europeia.
O segundo obstáculo é técnico. É fácil mudar de moeda num país financeiramente subdesenvolvido. Basta encomendar belas moedas e notas novas. Mas é algo bem mais complexo numa economia moderna. Para passar ao euro, foram necessários anos de preparação e de adaptação de sistemas informáticos, seguidos de uma prolongada rodagem. Por conseguinte, abandonar o euro bruscamente seria muito oneroso e perturbador.
O terceiro obstáculo é económico. Os advogados de uma saída airosa, pretendem antecipar uma desvalorização controlada da nova moeda, em relação à anterior e a todos as outras. Esquecem-se que os países susceptíveis de enveredar por tal via padecem de um défice de credibilidade. Não passa portanto de uma ilusão considerar que poderiam decidir livremente as suas taxas de câmbio. Se chegar a haver nova moeda, ou outra vez a antiga, o seu valor será aquele que os mercados decidirem. Quando em Janeiro de 2002, a Argentina acabou com a paridade peso/dólar americano, estabeleceu a nova equivalência de 1,4 peso = 1 dólar. Seis meses mais tarde, em Julho, já eram necessários 4 pesos para comprar um dólar. A moeda argentina perdera entretanto três quartos do seu valor. Em apenas seis meses.
Pode-se pensar que uma redução de três quartos = 75% da taxa de câmbio, garante uma economia hipercompetitiva. O problema é que multiplica por quatro o preço dos produtos importados, o que empobrece consideravelmente os consumidores e torna as empresas incapazes de adquirir equipamentos e produtos semi-acabados. Não é certamente assim que se facilita a retoma das exportações.
O quarto obstáculo é financeiro. E é o mais complicado de todos.  Raciocinar só sobre a competitividade, a inflação ou o poder de compra, equivale a esquecer os créditos e as dívidas das famílias, das empresas e do Estado, tudo titulado em euros. É verdade que os compromissos entre residentes do mesmo país poderiam ser facilmente re-titulados na nova moeda. Mal tal seria por assim dizer impossível entre residentes e não-residentes.
Segundo as estimativas de Claire Waysand, do FMI, os créditos e débitos dos países do euro em relação aos seus parceiros são em média de 200% do PIB. As obrigações do Estado grego na posse dos bancos franceses e alemães, e que tanto os inquietam, não passam portanto  de uma fracção de um gigantesco novelo. As empresas, os bancos e as companhias de seguros teriam então alguns sectores em euros, enquanto outros sofreriam uma brutal redução de valor. Alguns ganhariam, outros iriam imediatamente para a falência. Seria como se a sorte e o azar, a fortuna e a ruína fossem decididas por uma espécie de roda da sorte.
Além de que, uma saída do euro -uma vez que tal não está previsto- não poderia fazer-se de um momento para o outro. Os depositantes teriam tempo para retirar o dinheiro dos bancos, e estes de pedir emprestado ao banco central (no nosso caso o Banco de Portugal), para investir nos países destinados a continuar no euro.
Tais comportamentos, ditos de precaução, agravariam ainda mais o desastre. Perante os tormentos com que se debate a Grécia, a tentação de uma alternativa só pode ampliar-se. Mas, a hipótese de uma saída controlada do euro, não passa de uma ficção. Se vier a acontecer, será caótica. Economicamente destrutiva, financeiramente ruinosa e socialmente devastadora."

Jean Pisani-Ferry, Le Monde - Économie, 13/09/2011, página 1
Tradução e adaptação de António Rebelo/Tomar a dianteira.blogspot.com

3 comentários:

Anónimo disse...

Excelente texto. Obrigado.

O caminho é uma união europeia federalista.

Virgílio Lopes disse...

A Europa (UE) só tem uma saída para a profunda crise em que está mergulhada :

ESTADOS UNIDOS DA EUROPA,

no quadro de uma nova Ordem Económica e Política Mundial,em que os BRICs e o G20 tenham papel preponderante.

Mas não chegará lá com líderes tacanhos e caricatos como Merkl,Sarcozy,Berlusconi ou Durão Barroso.

Terá de ser com gente da estatura de Delors,de Mitterrand,de Khol, de Gorbatchov.

Com mente aberta e visão estratégica, não subjugado aos interesses especulativos do capital financeiro VIRTUAL que não tem qualquer sustentação em riqueza efectiva,tangível,concreta.

Sem esta saída POLÍTICA não há saída económica e financeira.

Digo eu,que apenas observo e penso.

Unknown disse...

Rebelamigo

Acompanhei a preparação para a moeda única, os sobressaltos, os sorrisos, os avanços, os recuos e o resto... E até participei com alguma responsabilidade na divulgação do euro no nosso País

Por isso, entendo bem o texto - que acho magnífico; exemplar. Muito obrigado pela divulgação - é uma excelente ideia.

Espero-te na minha Travessa que assim passará a ser também tus e, já agora, no meu novo
http://politicaoupulhitica.blogspot.com

Até já

Abç