terça-feira, 27 de setembro de 2011

"QUE DEUS GUARDE A SENHORA MERKEL"

"Quanto mais se olha para a realidade portuguesa, de ontem e de hoje, mais se admira a chanceler alemã. É verdade que existe a pátria, os nove séculos de histórias e historietas, D. Afonso Henriques, Camões, Pessoa, os Descobrimentos, barões, baronesas, condes, condessas, duques, duquesas, pais da ditadura, com Salazar, do Serviço Nacional de Saúde, como Arnaut, da democracia, como Mário Soares, e por aí adiante.
Também é bom não esquecer intelectuais de todas as categorias, escritores, poetas, pintores, escultures, filósofos e, claro, doutores, muitos, para todos os gostos e feitios, e académicos de grande gabarito. Ficaria mal não falar dos brilhantes economistas da praça, arquitectos premiados, e engenheiros das muitas obras feitas aquém e além-mar. A pátria é muito rica, tem imenso património e tem um mar extenso que agora está na moda e faz parte dos escritos de qualquer político de esperança e optimista no futuro do país. A pátria, com todo este espólio humano e material, acabou na falência e agora anda de mão estendida por essa Europa fora, garbosa como sempre. Nas horas de desgraça, é costume descobrirem-se algumas verdades e não há nada como lavar a roupa da família em público, para passar o tempo a fingir que nada, a partir de agora, será como dantes.. A triste Madeira está no topo das atenções, as dívidas acumuladas andam a ser auditadas e o esperado e prometido relatório irá mostrar como Jardim andou a ganhar eleições à custa de dinheiro alheio. Mas os que andam a partir os telhados do presidente da ilha deviam primeiro olhar para as telhas das suas casas, para terem a certeza de que não há nenhuma partida. E o mais natural é que não haja titular de cargo político, antigo e actual, que não tenha telhados de vidro. A prática madeirense não é um exclusivo de João Jardim. É uma escola tão velha como a democracia. Do poder central ao local, passando pelo regional, todos gastam acima das possibilidades e fazem tudo o que está ao seu alcance para esconderem as dívidas o melhor que podem. Bem podem andar por aí uns freis Tomás de trazer por casa a dizer que não e a prometerem amanhãs de contas certas. Santos da casa não fazem mesmo milagres. É preciso que venha alguém de fora, com a autoridade de um credor, pôr ordem na casa. É verdade que já cá está a troika. Mas talvez não chegue. É por isso que a senhora Merkel, odiada por tantos, avançou com a ideia de os incumpridores perderem ainda mais soberania, para serem obrigados a andar na linha. Portugal, como a Grécia, a Irlanda e todos os países do euro de uma maneira geral, já perderam uma parte significativa da sua soberania económica e financeira. O passo seguinte será, obviamente, a soberania política. Dito de outra forma, é natural que a Alemanha venha a propor mudanças nos tratados europeus para salvar o euro e a União Europeia. Mudanças que podem ir ao ponto de um país soberano, uma nação valente, como Portugal, se transformar rapidamente num protectorado. Algumas almas vão rasgar as vestes. A maioria dos portugueses vai agradecer a Deus por existir uma senhora Merkel."


António Ribeiro Ferreira, editorial, jornal i, 27/09/2011
As mudanças de cor são de Tomar a dianteira

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