segunda-feira, 22 de agosto de 2011

CINCO SÉCULOS DEPOIS A HISTÓRIA REPETE-SE

Quando parece voltar à baila o velho problema de saber  se os portugueses em geral e os tomarenses em particular descendem dos navegadores de quinhentos ou daqueles que cá ficaram, junto com o facto de as caravelas ostentarem no velame a cruz da Ordem de Cristo, emblema de Tomar, conforme indica a parte central do tecto do salão nobre dos Paços do Concelho, tornam urgente a transcrição seguinte. Para demonstrar que exactamente cinco séculos volvidos a situação é precisamente a mesma, naturalmente com outros actores e outro contexto bem mais complexo:
"Os Portugueses iniciaram as navegações e começaram a contactar com povos e civilizações estranhas, dispondo de um apetrechamento medieval e de um modo de conhecer que se baseava na autoridade. Se, porventura, a observação directa parecesse provar o contrário, então era essa observação que estava errada, devido a enganos do demónio ou a doença do corpo. Um atitude deste tipo iria prevalecer durante muito tempo. Mesmo em Portugal, as universidades, os livros impressos, a cultura escolástica, continuaram a ensinar e a aceitar os antigos mestres com os antigos erros, muito depois de todos, desde o mais humilde marinheiro até ao mais nobre vice-rei, terem de facto observado e tocado uma realidade diferente. Não era fácil abalar até aos alicerces e extirpar por completo toda uma tradição de séculos que criara um método e que, em si mesma, fora fortalecida por ele. A revolução da experiência foi, com todas as letras, uma Revolução, e de tipo subversivo. Por isso, combateram-na com energia os defensores da ordem existente. Foi tida por herética, absurda e imoral. E teve naturalmente as suas vítimas e os seus holocaustos." (Breve História de Portugal, A. H. de Oliveira Marques, Editorial Presença, Lisboa, 2009, páginas 186-187)
Mutatis mutandis, estamos por assim dizer na mesma. Descendentes dos que cá ficaram, os tomarenses em geral nunca viveram nem trabalharam além fronteiras, não conhecem o mundo (salvo pela TV) nem conseguem documentar-se em fontes que não sejam em língua portuguesa. Donde uma ignorância em geral presunçosa, uma gritante falta de experiência prática, de savoir faire; uma intolerância confrangedora e uma quase total alergia à diferença, ao futuro, ao novo, ao imprevisto, ao não desejado. Essa carência de mundivivência leva-os a cuidar que estão no centro do mundo, que todos pensam ou deviam pensar como eles, que a tradição é que é e que o progresso deve ser retardado o mais possível, quanto mais não seja em nome da moral e dos costumes. É um microcosmo estranho, há muito ultrapassado pelos acontecimentos e por assim dizer às avessas. Indubitavelmente. Mas até que disso se consigam dar conta, ainda vão ter muito que padecer. Infelizmente para eles e para todos nós, os que sabemos que, apesar da liberdade de pensamento já não conduzir à fogueira, quanto mais tarde, pior maré. Ao que eles responderão que "Há mais marés que marinheiros". E julgarão ter razão. Como sempre. Por isso estamos como estamos, enquanto país e enquanto cidade.

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