segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Quando vires as barbas dos vizinhos a arder...


Sem receber desde Maio. Delegados sindicais e trabalhadores do Município de La Línea de la Concepción (64 mil habitantes) queimaram ontem pneus próximo da fronteira com Gibraltar e cortaram o trânsito para o Rochedo, exigindo o pagamento dos vencimentos em atraso aos 850 funcionários municipais. Segundo a UGT, já não recebem desde Maio, embora tenham sido contemplados há três dias com um adiantamento de 120 euros cada um. O executivo municipal tinha previsto aprovar ontem dois pedidos de empréstimo para pagar aos funcionários./Foto A. Carrasco Ragel/EFE

"Funcionários municipais sem vencimentos até nova ordem"

"José (nome suposto) tem trinta anos. Há seis, entrou para o quadro da Polícia Local de Moratalla, uma localidade da região de Múrcia, com 8 mil e quinhentos eleitores. A estabilidade de uma função com um vencimento mensal de 1500 euros limpos animou-o na sua labuta preparatória e conseguiu superar o desafio. Foi aprovado no concurso público e obteve o emprego que julgava ser para toda a vida. Casou-se e comprou uma casa. "Ia tudo muito bem até Abril", disse-nos preocupado. Desde então não voltou a receber.
Vinte companheiros da esquadra e mais 30 outros funcionários estão na mesma situação: fazem parte dos primeiros funcionários públicos espanhóis que não recebem os seus vencimentos. Adeus sonho de funcionário vitalício. "Trata-se de um caso insólito. Não conhecemos mais nenhum em todo o país", disseram-nos da Federação Espanhola de Municípios e Províncias (FEMP), que agrupa 90% dos mais de 8 poderes locais e regionais do país.
Moratalla já deve 6 mil euros a cada um dos seus polícias, que por lei são obrigados a ir trabalhar, mesmo que ao fim do mês não lhes paguem .Os seus vencimentos figuram entre os 520 mil euros que o Município não consegue liquidar. Na mesma situação estão os empregados do jardim de infância (9 empregados), do centro de dia (7), da escola de música (10) e do serviço de recolha do lixo (10). No total, 120 trabalhadores, entre os quais 50 funcionários do quadro de efectivos.
"Não passo fome porque a família me ajuda", confessa José, que tem uma hipoteca de 20 anos para pagar mês a mês. A situação do município, com uma dívida de 28 milhões de euros e descobertos bancários de 251 mil, leva-o ao pessimismo. Desconfia dos políticos. Não acredita nas promessas de António Garcia, do PP, que ganhou as eleições de 22 Março com maioria absoluta, nem nas do seu antecessor socialista, que inaugurou os atrasos nos pagamentos. Além disso, está deprimido com a má imagem da povoação, cujos empregados de limpeza e recolha do lixo andam a pé porque os revendedores de combustível deixaram de fiar o gasóleo à autarquia.
Cândida Marin, 41 anos, recebeu em Abril o seu último vencimento de 1400 euros, como directora do centro de dia municipal, que acolhe 20 séniores. "Já se estava mesmo a ver que isto ia acontecer; cada história pessoal é um drama." Marin, que também é delegada sindical de Comissiones Obreras, critica o plano de austeridade recentemente aprovado pelo presidente do PP, o qual aumenta a água em 30% e duplica o infantário de 60 para 120 euros mensais, mas não corta nos gastos supérfluos, "como as festas municipais". Garante que o executivo municipal não teve coragem para pegar na tesoura no caso das festas da padroeira, conhecidas por "encierros". "Há quinze dias tivemos aqui nas ruas 80 vacas para os amadores. Porque não acabam com essas coisas?", diz-nos agastada, acrescentando que a dívida global das festividades municipais já atinge os 700 mil euros.
"Moratalla é por enquanto um caso isolado, mas 40% dos municípios espanhóis está numa situação grave, de asfixia financeira", reconhece Pedro Arahuete, presidente da Câmara de Segóvia (socialista) e presidente da comissão de finanças da FEMP. Admite também que a situação "tende a piorar", o que vai obrigar a adoptar soluções de urgência, no sentido de pagar os vencimentos, evitando casos como este de Moratalla. Os municípios espanhóis empregam 556.568 funcionários, 20% dos empregados de todas as administrações públicas: 2.680.219 tabalhadores.
Amparo Llorente, vendedora de jornais de 41 anos, não é funcionária, mas mesmo assim sofre os efeitos da penúria que reina na administração municipal de Moratalla, que já não lhe paga os jornais há dois anos. Devem-lhe 2 mil euros e por isso deixou de fornecer os jornais aos membros do executivo, desde há um mês. "Foram-me enganando. Ao princípio ainda acreditei, mas agora já não aguento mais", disse-nos irritada. As suas facturas amontoam-se junto de todas as outras dos restantes fornecedores, na maioria pequenas empresas locais, num total de cerca de 9 milhões de euros.
Amparo Llorente, que também preside à associação local de comerciantes, desloca-se todos os dias a pé ao campismo La Puerta, a 8 quilómetros do centro urbano, nas margens do Rio Alharabe. Ali, em pleno parque natural, tenta compensar a queda nas vendas do seu negócio de jornais e revistas. Não lhe resta outra solução que não seja lutar pela vida. Segundo nos disse, "Em Moratalla não há trabalho, recuámos 30 anos. Até à época em que íamos para as vindimas em França, para fugirmos da miséria".

Joaquin Gil, EL PAÍS, 05/08/2011, página 12

Reza o ditado que "Quando vires as barbas do vizinho a arder, vai pondo as tuas de molho". Espanha é o nosso único vizinho europeu e de lá, em tempos idos (???), "nem bom vento nem bom casamento". Ficamos agora a saber que boas práticas dos autarcas também não. E tudo isto acontece quando nuestros hermanos ainda nem sequer foram forçados a pedir ajuda externa. Nestas condições, talvez não tenha sido por mero acaso que em Portugal nem a TV, nem os jornais, nem a rádio, nem as revistas, noticiaram ainda estes dramas espanhóis. Não vá dar-se o caso de provocarem o contágio da moléstia...
Aqui fica mais esta advertência, sobretudo para aqueles casmurros tomarenses que através dos seus óculos partidários continuam a aguardar uma luz ao fundo do túnel. -Olhem que quando virem tal clarão, pode bem tratar-se da fogueira do inferno! Vão pensando nisso e no caso daquelas doenças que quanto mais tarde são tratadas, menos hipóteses têm de cura. Essa é que é essa!

1 comentário:

Virgílio Lopes disse...

Cá no burgo só não aconteceu ainda o mesmo porque vão pagando os vencimentos e outras mordomias com o dinheiro dos fornecedores.

Quando os fornecedores das Câmaras fizerem o mesmo que estão a começar a fazer os dos hospitais...