domingo, 21 de agosto de 2011

Ícaro e a política à portuguesa


O mito é bem conhecido. Ícaro convenceu-se de que com  asas de penas, coladas com cera, poderia voar à vontade, assim se libertando das contingências de uma existência de mero bípede. Bem pensado, melhor executado. Já com as suas magníficas asas, Ícaro foi voar para experimentar. Esplêndico, extraordinário, incomparável -pensou cheio de contentamento. E continuou a pairar sobre a paisagem. Hélas! O calor do sol derreteu a cera, as penas soltaram-se e foi o desastre. Ícaro esmagou-se no solo, onde antes fora simples peão. Vítima da sua imprevidência. Entusiasmado com a hipótese de voar, esquecera-se de ponderar todas as hipóteses.
O mesmo tem acontecido e está a acontecer na política portuguesa, a todos os níveis. À escala do país, Sócrates convenceu-se de que, "imperador da palavra calculada", conseguiria iludir os portugueses, incluíndo os políticos seus opositores, por tempo indeterminado. Enganou-se e saiu de cena, vencido mas não convencido. Na Madeira, o labrego político João Jardim, porque é disso que se trata afinal, mantém a mesma aposta há mais de 30 anos: ameaçando com o separatismo e tratando à pedrada os "cubános do contenente", consigo sacar quanto dinheiro quiser ao governo central. E quando não conseguir peço-o emprestado, que alguém há-de pagar. Infelizmente para ele, felizmente para os madeirenses, a inevitável e dolorosa austeridade que aí vem vai ter para o senhor Alberto as consequências do sol nas asas de Ícaro. E lá se irá o mito Jardim. A menos que esteja já tudo doido neste país.
Em Tomar, para não variar, um forasteiro estrangeirado e com algum mundo constatou o tradicional e  sufocante marasmo tomarense, tão ao gosto de uma população conformista, sempre voltada para o passado. Ingressou na política local e cuidou ter descoberto a pólvora, mais de cinco séculos após os chineses. Iludiu-se com os dinheiros europeus, "a fundo perdido" até 80% e foi vê-lo apresentar candidaturas e mais candidaturas, sempre com a unanimidade dos seus parceiros do executivo, embevecidos com tanta arte. Um conhecido político, agora número 2 do governo, chegou até a dizer que o referido forasteiro era dos melhores presidentes de câmara do país. Seguiu-se uma ascensão fulgurante até ao QREN Centro e finalmente a aposentação e confortável ida para dirigente de uma empresa privada, por sinal com múltiplos interesses na região e no concelho. Até uma avença para limpeza das valetas nas estradas nacionais da zona!
E temos os seus sucessores e discípulos a braços com um problema do arco da velha. Exactamente o mesmo de Sócrates e de Jardim -a falta de liquidez, que é como quem diz uma consequência da falta de ponderação que custou a vida a Ícaro.
Entusiasmados com tanto dinheiro assim de mão beijada, tanto os políticos tomarenses das sucessivas maiorias como os das oposições negligenciaram as evidências: cada candidatura pressupunha + 20% + 23% de IVA + subsequentes e inevitáveis despesas de manutenção, tudo a cargo da autarquia tomarense, que o mesmo é dizer dos já causticados contribuintes. Seguindo os maus exemplos de Ícaro, Sócrates e Jardim, os discípulos do antes adulado forasteiro, ousado mas imprevidente, estão agora atascados até às orelhas. E sem saber como livrar-se da alhada em que se meteram. Fala-se num passivo global de 60 milhões de euros (um conto e duzentos por cada residente no país!!!), para uma receita anual da ordem dos 36 milhões. Ca ganda bico d'obra!
Os relapsos pancrácios locais perguntarão "E o que tem isso a ver com o Ícaro?" Pois nada. É só por dizer que conforme reza o velho ditado, quanto mais alto é o vôo, maior é a queda. E 2013 é já ali adiante. Quanto mais adiarem, pior...

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