sexta-feira, 16 de outubro de 2009

E OS MÉDICOS ? E OS MÉDICOS ? - 2

A ABUNDÂNCIA DE MEIOS NUNCA É DEMAIS PARA A ELITE
Na faculdade de Paris-Descartes o respeito pelos estudantes tem um preço -a exigência constante
São duas da tarde. Os estudantes do 6º ano de medicina de Paris-Descartes aguardam a entrada do professor de Cuidados Paliativos. Alguns dialogam em surdina, mas o silêncio reina no anfiteatro Richet. Vários procuram descansar, com a cabeça sobre a carteira, enquanto muitos outros seleccionam e anotam pilhas impressionantes de policopiados.
Dentro de algumas horas estarão (virtualmente) em fim de semana: "Durante a semana imponho-me 6 horas de estudo por dia. No fim de semana estudo ainda mais horas, para recuperar o meu atraso", diz-nos Romain, sentado na parte mais elevada do anfiteatro. Mais oito meses e terão as provas classificadoras nacionais (ECN). É neste exame global que tudo se decide, desde que foi instituído para substituir o concurso de internato: de acordo com a classificação obtida, os estudantes poderão (ou não) escolher a especialidade e o CHU onde farão o internato.
Pascale Vinant, doutora na Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital Cochin, entra finalmente no anfiteatro. "Vamos hoje abordar os problemas éticos postos pelas situações de fim de vida. É um assunto complexo, que exige capacidades de questionamento, de análise e de argumentação." Em Paris-Descartes insiste-se sobre a "reflexão clínica", o caminho intelectual que vai do diagnóstico à escolha da terapêutica, bem como sobre a prática médica. Desde a fusão, em 2004, dos 3 CHU de Cochin, Necker e Broussais, o programa pedagógico foi inteiramente renovado. "Fragmentámos as disciplinas, de forma a conseguirmos um ensino transversal, por grupos de órgãos", explica-nos Patrick Berche, decano da faculdade. "A partir do 4º ano, as aulas estão agrupadas em polos, o que implica um estágio durante a manhã relacionado com as aulas da parte da tarde, sob a forma de trabalhos dirigidos." Este método parece merecer o apoio unânime dos estudantes: "É uma grande vantagem, explica-nos Linda, do 4º ano. Percebo imediatamente do que se fala e memorizo muito mais facilmente."
Todos os estudantes de Paris-Descartes sabem bem qual é a classificação nacional da faculdade que frequentam. "Andam sempre a dizer-nos que somos uma elite e que temos muita sorte ao dispormos de tudo isto", diz-nos Romain. "Tudo isto" são cerca de 800 professores -catedráticos, mestres de conferências, directores de clínica- onze hospitais associados por convenção com a faculdade, 197 lugares para estágio e cinco institutos de investigação científica. São igualmente os meios materiais à inteira disposição dos estudantes: três bibliotecas universitárias, abertas até às 11 da noite e vigiadas por estudantes remunerados; espaços para leitura e estudo; salas de informática; aulas do 2º e do 3º ano filmadas integralmente e colocadas na Internet; policopiados com sínteses das aulas redigidas pelos professores respectivos, etc.
Os estudantes que preparam a ECN são particularmente ajudados e acarinhados: "O último ano de medicina tem fama de ser um ano em que pouco ou nada acontece, dado que os programas já foram dados", explica-nos Claire Lejeune, vice-decano da faculdade, encarregada da pedagogia. Tratámos de o mobilar com programas intensivos de revisões do concurso e uma série de conferências reservadas aos nossos estudantes." Espécie de preparação gratuita, as conferências de Paris-Descartes realizam-se todos os sábados de manhã. São obrigatórias, classificadas consoante as intervenções orais e integram exames anónimos que os estudantes corrigem entre si, trocando-os. "São muito mauzinhos uns para os outros" diz em tom irónico o decano da faculdade. "Classificam-se uns aos outros muito duramente."
A Faculdade de Paris-Descartes é também, e sobretudo, uma cultura elitista. Os seus estudantes vêm principalmente dos melhores liceus de Paris, com o 12 ano S e menção especial nos exames. Uma vez ultrapassado o ultra-selectivo concurso do final do primeiro ano, nunca mais deixarão de pensar "classificação". "Há uma dinâmica rumo à excelência, que já vem de antes da fusão de 2004", afirma o secretário-geral da faculdade. Os estudantes consideravam-se Cochin, Necker ou Broussais.
Actualmente, o sentimento de pertença a uma mesma faculdade existe, mas a competição continua. Na sala da Associação, alguns jogam ao bilhar ou ao ping-pong, enquanto outros conversam sobre o próximo fim de semana de integração. O ambiente é francamente bom.
"Está claro que nos damos bem uns com os outros", diz sorrindo Yohan, classificado em 4500º lugar na ECN. "Estamos juntos nas carteiras da faculdade, no estágio, e mesmo de noite, quando fazemos bancos". Quanto a ele, "preguiçoso de nascença", confessa que não teria conseguido transpor todos os obstáculos do curso de medicina sem a ajuda dos seus companheiros.

Aurélie Collas - Le Monde - Education

Tradução e adaptação de António Rebelo

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