sexta-feira, 30 de outubro de 2009

O ACTUAL QUIPROQUÓ TOMARENSE

António Rebelo


Em recente e amena conversa com um velho amigo, agora também autarca e por isso sujeito à crítica de âmbito político, julgo ter detectado uma das causas da pelo menos aparente desconfiança dos eleitos em relação aos eleitores que deles discordam. Foi-me dito que os membros de executivo são honestos e que "as contas" de quando em vez trazidas ao conhecimento da oposição e da opinião pública mostram a realidade; não estão "maquilhadas".
Sucede que, por conhecer os autarcas que nos governam, desde há vários anos, nunca duvidei da sua honestidade nem da lisura das suas decisões. Pelo menos até agora. Estou até persuadido de que a esmagadora maioria dos eleitores concelhios terá uma opinião semelhante à minha. Em geral, nas terras pequenas como Tomar, tudo acaba por se saber, apesar de quase nunca ser dito publicamente, mas apenas dado a entender, não constando que a actual maioria camarária esteja a agir no sentido de se governar à margem das leis. O problema, a confusão, o quiproquó é totalmente diferente.
No que me diz respeito, quando decidi regressar à acção cívica e à escrita, fi-lo por considerar que como comunidade e com as melhores intenções temos trilhado e continuamos a trilhar maus caminhos. Maus e perigosos. Maus porque nos impedem de melhorar a nossa situação colectiva, ao retardarem as implementação das opções que no meu entender são indispensáveis. Perigosos porque corremos o risco de atingir um dia destes, mais cedo do que muitos pensam, o ponto sem retorno possível. A situação irremediável. O nosso fim colectivo, como comunidade livre.
Refiro-me, naturalmente, à economia local, como sempre a mãe de todos os problemas. Mesmo quando assim não parece. Os nossos autarcas, naturalmente limitados pelo seu "mundo", estão seguramente de boa fé ao garantirem que as finanças locais estão controladas, que é normal ter compromissos correspondentes a um ano de receitas, que 90 % dos milhões gastos o foram em investimentos, que os projectos já candidatados ao QREN são susceptíveis de contribuir para a resolução da nossa crise. Acontece, contudo, que os gestores da Fábrica da Fiação, de Porto de Cavaleiros, da Matrena, da Auto Mecânica Tomarense, da Auto Acessórios, da João Salvador ou da Platex, também estavam certamente convencidos da justeza, da coerência, da pertinência e da eficácia das suas opções tácticas e estratégicas (pelo menos os que sabiam raciocinar nesses termos), o que não impediu antes precipitou a falência das ditas empresas.
Lamento ter de ser desmancha-prazeres, (ou advogado do diabo, se preferirem), mas a gravidade do momento não me permite continuar a iludir a questão. Que é, em suma, esta -Os membros do executivo estarão honestamente convencidos daquilo que afirmam, tal como estavam os citados gestores, mas estão igualmente equivocados. Desde logo porque as finanças locais não estão controladas, nem lá perto. Estão em acelerada derrapagem e sem solução à vista. O que se compreende, se tivermos em conta que as despesas aumentam todos os dias, enquanto as receitas não param de caír. E o pior ainda está para vir. Em 2011.
Depois porque, em boa gestão, poderá ser aceitável, de modo transitório, ter compromissos para com terceiros correspondentes a um ano de receitas, mas de receitas tanto quanto possível certas e permanentes (o tal volume de negócios, no privado). O que não é o caso da nossa autarquia, que toma como referência as receitas brutas, incluindo as comparticipações comunitárias, que são sempre excepcionais e acabarão em 2013.
Em terceiro lugar, não duvido que 90 % das despesas se referem a investimentos. Falta, porém, determinar, para termos uma fotografia mais fiel, que tipo de investimentos. Com retorno garantido ? Que forma de retorno ? Geradores de valor acrescentado ? A que taxas ? Valor acrescentado transaccionável ?
Salvo melhor opinião, de todos os investimentos custeados até agora pela autarquia (com ou sem verbas de Bruxelas), apenas dois estão a gerar retornos transaccionáveis, sob a forma de taxas -a água e o saneamento (resíduos sólidos e esgotos). Tudo o resto poderá ter sido muito útil em termos eleitorais e de imagem; pode até ser extremamente prático e/ou agradável para a população; mas implica apenas mais custos e não gera receitas. É assim e não há volta a dar-lhe.
Finalmente, tudo indica neste momento que os projectos já aprovados no quadro do QREN irão apenas acarretar novos encargos permanentes, nunca gerando receitas susceptíveis de os cobrir, nem de perto nem de longe, pelo que contribuirão para agravar ainda mais o défice crónico da autarquia.
No quadro da tradicional inveja portuguesa, que infelizmente continua a empapar toda a nossa realidade social, quando se pretende argumentação para apoiar a criação de mais um museu, ou outra iniciativa de índole turística, avança-se imediatamente com o Fluviário de Mora e as suas duas lontras. Esquece-se deliberadamente que: 1 - O Fluviário foi em grande parte custeado pelo UE e não é só composto por duas lontras, mas por todo um conjunto bastante complexo, que exige recursos humanos especializados e permanentes e uma manutenção que não será nada barata; 2 - Está por demonstrar que a exploração daquela estrutura por uma empresa municipal seja rentável, ou sequer equilibrada; 3 -Fala-se em centenas de milhares de entradas anuais, mas omite-se que a maior parte são gratuitas, porque para grupos escolares e excursões da 3ª idade (no âmbito da união europeia todos os maiores de 65 anos têm entrada gratuita em qualquer edifício público de interesse turístico, em qualquer país dos 27); 4 - O Fluviário fica a alguns quilómetros de Mora, inserido num pequeno parque ambiental, pelo que a maior parte dos visitantes nem chegam sequer a ir à sede do concelho.
No caso tomarense, a menos que se efectue antes um amplo e participado debate, seguido de adequado estudo, os previstos museus da Levada, tal com o dos tabuleiros, ou os previstos parques de estacionamento, serão apenas mais fontes de despesas permanentes (água, electricidade, limpeza, manutenção, assistência técnica, meios humanos, aquisições, encargos das dívidas), conquanto possam vir a facultar mais alguns empregos. Está quanto a mim fora de causa que possam gerar receitas para uma exploração equilibrada, ou que contribuam para trazer à cidade os visitantes do Convento. Se até em Sintra há quem vá ao Palácio sem subir à Peninha, e vice-versa, como também há quem visite os dois, mas não julgue necessário ir à Regaleira, não se vislumbra o que poderá levar os nossos visitantes a agir diversamente.
Como bem sabem os dirigentes das grandes potências turísticas, França, Itália, Espanha, Grécia, no turismo em geral, o melhor mesmo é que amadores sejam unicamente os visitantes. Os outros convém que sejam profissionais e bons profissionais. Porque se ninguém aceitaria ser operado por um simples curioso, salvo num caso de excepcional necessidade, que poderá levar alguém a ser recebido/acompanhado/guiado/servido/esclarecido, por um funcionário que não pesca mesmo nada do assunto, por nunca lhe ter sido ensinado ?
De forma que, quanto a mim, o dilema tomarense é este -ou temos a coragem indispensável para arrepiar caminho enquanto é tempo, a audácia para abrir novos trilhos rumo ao futuro, e a habilidade para criar valor acrescentado transacionável, ou isto vai acabar mal para todos.

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