quinta-feira, 15 de outubro de 2009

MUDAR DE ASSUNTO PARA RESPIRAR UM POUCO 2

(Continuação da peça anterior)
"Segundo Jean Ehrsam, inspector-geral da educação nacional e também presidente do júri único de Letras Modernas (Francês e Literatura Francesa), não há sequer a sombra de qualquer dúvida -"O CAPES continua a ser um concurso dificílimo, cujo nível de exigência é extremamente elevado. Os candidatos aprovados são excelentes. Estamos totalmente satisfeitos com os 750 recrutados este ano em Letras Modernas. Foram seleccionados após quatro provas escritas e três provas orais, todas muito complexas, o que pressupõe uma aprofundada cultura literária, que repouse sobre uma consciência precisa das relações entre língua e literatura, bem como um bom conhecimento dos métodos e dos programas de ensino do francês, tanto nas EB 3 como nos liceus."
Conhecimentos e aptidões que, tanto em Letras Modernas como nas outras disciplinas, não se adquirem do dia para a noite. Nem mesmo num ano inteiro. O relatório final do júri de letras deste ano sublinhas esse aspecto: "É absolutamente indispensável uma preparação a montante do ano do concurso. Não é em seis meses de memorização intensiva e mecanizada que se conseguem preparar os vários exames, adquirindo em simultâneo o método e os saberes necessários a qualquer futuro docente de francês."
Solange Siri que conseguiu este ano o CAPES de inglês, confirma a opinião do júri: "É indispensável uma sólida bagagem cultural para se apresentar ao CAPES. A regularidade do esforços constitui frequentemente a diferença, mas nem sempre é suficiente. Não basta ficar-se pelo "empinanço", é necessário "empinar" com método. Dado que já tinha abandonado o sistema escolar, foi ainda mais difícil para mim fazer essa preparação. Elaborei um planeamento de revisões pessoais, além das aulas preparatórias na universidade. Trabalhei todos os dias das 7 às 22 horas, incluindo os fins de semana."
Por vezes o trabalho desenvolvido é insuficiente. Eva, titular de um "master 1" em História, com menção "muito bem", reprovou nas provas orais do CAPES de História e Geografia, apesar de uma prévia e cuidada preparação intensiva -
"Estudei arduamente durante vários e longos meses. Tive todavia a pouca sorte de fazer as orais logo no começo do ano escolar e ainda não estava preparada."
Após tantos e tão pesados esforços, a recompensa nem sempre está ao nível dos sacrifícios feitos. "Os primeiros anos de docência dos jovens titulares do CAPES são frequentemente difíceis, admite o supra referido inspector-geral. Têm por vezes muitas dificuldades para encontrar a conexão entre aquilo que lhes exigiram nos exames do concurso e a realidade quotidiana da profissão docente. Tanto mais que os novos docentes se queixam de não serem apreciados por aquilo que realmente valem. Tenho a impressão que se colocou a fasquia demasiado alta para o recrutamento e que, uma vez no exercício da profissão, se utiliza apenas uma pequena parte das capacidades desenvolvidas. Há portanto um nítido desfasamento entre o que nos pedem para sabermos fazer e aquilo que fazemos na realidade.
Um problema singularmente agravado pela carência de reconhecimento social do estatuto da docência. Numa sondagem credível de 2008, 93% dos professores do 3º ciclo e do secundário consideraram que a sua profissão estava desvalorizada na sociedade contemporânea. Um sentimento de desclassificação que os novos titulares do CAPES têm muita dificuldade em aceitar, após a preparação de um concurso que pode ser tudo menos uma simples formalidade.
"Há dois anos, fazia o meu ano de estágio numa EB3 para a classe média-alta no departamento de Essonne (grande cintura de Paris). Durante uma aula, um aluno do 8º ano virou-se para os seus condiscípulos e disparou -"Quando se é professor é porque se falhou na vida. Foi a minha mãe que me disse e ela é engenheira." Tinha acabado de conseguir o CAPES e devo admitir que me pareceu mal; mas calei-me, contou-nos Julie Miquel, professora de História-Geografia numa EB 3 dos arrabaldes de Paris.
Kaël Serreri - Le Monde
Nota final: De forma que é assim, queridos companheiros de sacrifícios diários. Tudo devidamente lido e ponderado, não acalentem demasiadas esperanças. Com Sócrates ou qualquer outro primeiro-ministro; com a Lurdinhas ou com qualquer outra ministra da educação; vão-se habituando à ideia -ou se é avaliado de forma muito rigorosa e igual para todos a nível nacional à entrada na profissão, ou se faz a avaliação em exercício, na verdade pouco adequada para a nossa maneira de pensar e de agir, porque de origem anglo-saxónica quando nós somos latinos conservadores e geralmente obstinados. Mas não se pode continuar a fingir durante uma vida inteira.

1 comentário:

templario disse...

Num blogue local (da autoria de um professor) com 84.000 visitantes, numa terra onde trabalham muitos professores, esperava aceso e interessado debate por parte dos mesmos. Ninguém abre o píu.

Foi um privilégio ler esta tradução. A blogosfera tem estes méritos de divulgar o que é escondido por corporações muito mancomunadas com os media em Portugal.

Como cidadão comum sempre tive a percepção de que a "classe" dos professores tem grande cota de responsabilidade no insucesso do Ensino Público; que parte importante trabalha no ensino como numa repartição burocrática pública.

O Governo é sempre o mais responsável, bem entendido.

Habituei-me, em dezenas de anos no sector privado, a reconhecer que alguns colegas de trabalho eram muito melhores que eu e a respeitar os estatutos e rendimentos diferentes. Era diariamente avaliado pela dedicação e resultados do meu trabalho. Para não perder o comboio tinha que me actualizar e valorizar a todo o momento, quase sempre a minhas custas.

É sintomático que, entre tantos professores, nenhum aqui venha debater. Mas contra a Ministra Lurdes Rodrigues não faltavam. E contra o Governo que ousou introduzir reformas no sector.