domingo, 18 de outubro de 2009

O MUNDO ÀS AVESSAS

Foto e texto de "Cidade de Tomar", a quem agradecemos.

Esta ilustração documenta um daqueles casos em que se pode dizer, sem receio de errar, que estamos perante um mundo às avessas. Vejamos.
Nos anos 70, chegou a Tomar uma família com um descendente adolescente (haveria outros, que agora não nos interessam para esta história). Vinham de Angola (se não erramos), forçados pelas infelizes e dramáticas circunstâncias, que todos os mais velhos conhecemos bem. Acolhido com a nossa proverbial hospitalidade (diz-se que Tomar tem sido desde sempre madrasta para os seus filhos, mas boa mãe para os seus enteados), o rapaz completou a sua escolaridade secundária, inscreveu-se e militou na jota laranja, tendo acabado por desaguar, como tantos outros, na Assembleia da República. Aí se verificou que era inteligente, apresentava-se bem, falava bem em privado, sabia calar-se e levantar-se conforme o líder parlamentar mandava. Um perfeito deputado fundilhos, na feliz expressão de Gonçalo Macedo.
Foi viver para a capital, porém dizendo sempre que habitava em Tomar, por causa das ajudas de custo. Nunca ninguém o ouviu intervir no hemiciclo, mas como o norte do distrito de Santarém era PSD e o sul PS, foi ocupando pouco a pouco o lugar livre de cacique laranja do distrito. Situação cómoda e muito útil, posto que lhe permitia, sempre que necessário, alavancar a sua posição lisboeta com a sua elegada influência distrital, bem como a sua posição local com o seu propalado poder em Lisboa. E sucedeu que até foi nomeado na A.R. para a Comissão de Obras Públicas, situação que de algum modo terá influído (pouco ou muito) para a sua designação de assessor de quatro ou cinco sociedade privadas...
Homem de sucesso e sabendo usar com discernimento as suas indiscutíveis capacidades, quando percebeu que o PS nabantino estava entregue aos bichos, apesar de ainda tentar governar a câmara através de um independente, o nosso deputado escolheu para cabeça de lista autárquico um discreto engenheiro e professor do IPT, até então igualmente vereador independente pelo PSD no município de Tomar. Foi o êxito imediato a nível local, que se prolongaria por 12 anos. Entretanto viria a constatar-se, pouco a pouco, que o novo presidente camarário, para além de indiscutíveis qualidades, padecia de duas grandes falhas. Dado à ostentação e pouco dialogante, cedo se deixou deslumbrar pelo poder e pelas obras, muitas das quais de utilidade mais do que questionável. Educado na África do Sul, o seu comportamento cedo se revelou como nem sempre adequado ao regime democrático, pelo menos tal como o conhecemos na Europa.
A dado passo, por motivos ainda não cabalmente esclarecidos, Paulino Paiva renunciou ao mandato e foi trabalhar para Coimbra, continuando embora a viver em Tomar. Relvas tinha conseguido entretanto mais um grande sucesso, ao lograr conquistar a câmara de Santarém ao PS, graças ao independente Moita Flores. Ciente do seu poderio, tanto a nível local como distrital e nacional -até chegou a ser secretário-geral do PSD- cometeu um erro crasso ao apoiar, de modo demasiado visível, o seu amigo desde a jota laranja, PP Coelho, na movimentada corrida à liderança nacional. Eleita, MF Leite não lhes perdoou. Apesar de colocados em 1º lugar nas listas para deputados pelas respectivas estruturas regionais, tanto ele como PP Coelho foram excluídos, sem dó nem piedade. Pior ainda, como uma desgraça raramente vem só, o PSD perdeu a maioria absoluta em Tomar, mesmo com Relvas como cabeça de lista para a Assembleia Municipal. Uns ingratos estes tomarenses !
E foi neste contexto e com este passado que o nosso ex-deputado, além de continuar a jogar o pleno em PP Coelho, resolveu colocar a fasquia se calhar demasiado alta. Conforme declarou ao Templário esta semana, se não for eleito presidente da Assembleia Municipal, também não fica como simples membro do parlamento local. É uma opção, muito bem jogada, mas perigosa. Pode até prenunciar o começo da decadência. Falta conhecer o desfecho.
Enquanto aguarda a decisiva votação, como político inteligente e muito experiente que é, vai procurando reforçar os seus eventuais apoios. Apenas se esqueceu (deliberadamente?) que convidar Carlos Trincão para presidente da comissão eventual das comemorações dos 850 anos da fundação do castelo de Tomar, não caiu nada bem no estômago sensível de muitos tomarenses. Antes de mais, porque a notícia não refere se a maioria dos deputados municipais o mandatou para tal iniciativa. Depois, se o mordomo da Festa dos Tabuleiros é escolhido (ou pelo menos aclamado) pelo povo presente, qual a argumentação para o presidente da citada comissão ser escolhido pela Assembleia Municipal, ou pelo seu presidente ? Onde é que isso está escrito e desde quando ? A seguir, não fica bem, em termos de boas maneiras, ser um tomarense adoptado a convidar um tomarense de nascimento e de educação. É o mundo às avessas. Regra geral, são os donos da casa que convidam os visitantes. Ainda por cima, neste caso, ninguém percebe o que terá mudado em tão curto espaço de tempo. Ainda há meses Miguel Relvas (com o acordo do PS) fez tudo o que estava ao seu alcance para silenciar Carlos Trincão, e outros oposicionistas de peso, no parlamento local. Apesar de não poder ignorar que, na política como no resto, cá se fazem, cá se pagam. Porquê agora o tal convite ? E a fotografia sorridente ?
Diplomata, vivido, culto e fazendo parte do reduzido escol local, Trincão terá sido convidado, mas ainda não deu uma resposta, que em tomarês as cadelas apressadas parem quase sempre cães cegos. Que tem capacidades muito acima das necessárias para o cabal desempenho do lugar, disso não restam dúvidas. Falta saber com que estatuto e dentro de que parâmetros, bem como se quem o convidou tinha, tem ou virá alguma vez a ter, legitimidade e estatuto para isso. Quem aqui nasceu e foi criado sabe que a melhor homenagem a prestar aos templários consiste em adoptar o seu comportamento quotidiano. Modéstia, humildade, apego às tarefas, lealdade à comunidade e total aceitação do princípio segundo o qual, cada um, incluindo o mestre, é apenas um primus inter pares, o primeiro entre iguais. Nada portanto de cátedras, púlpitos, pedestais, ou de falar de cima para baixo. Foi este estatuto que Miguel Relvas ainda não terá percebido, ou pelo menos interiorizado. É pena.

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